Carta para Mário

Olá,

Seguindo o ritmo dos desafios de escrita lançados por mim nesse 2023, venho te convidar a escrever uma Carta à Mário… de Andrade, o homem-poeta modernista, em resposta ao poema escrito por ele… e publicado no livro Paulicéia Desvairada, em 1922…

O livro é uma obra modernista, um marco na literatura brasileira e tem a cidade como tema-cenário. Somos conduzidos por uma espécie de “mapa” particular traçado pelo modernista…

No poema abaixo, você percebe as mudanças de ontem e de hoje, a força do capital que determina os rumos e compreende a polifania poética descrita pelo poeta…

O cortejo
Mário de Andrade

Monotonias das minhas retinas…
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar…
Todos os sempres das minhas visões! “Bon Giorno, caro.”

Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades…
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! os tumultuários das ausências!
Paulicéia — a grande boca de mil dentes;
e os jorros dentre a língua trissulca
de pus e de mais pus de distinção…
Giram homens fracos, baixos, magros…
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar…

Estes homens de São Paulo,
toso iguais e desiguais,
quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
parecem-me uns macacos, uns macacos.

Prazo para envio-entrega: 31/03…
Envie para o nosso e-mail: scenariumlivrosartesanais@gmail.com

Scenarium 8 | 2022

mosaicum (poesia e prosa) casa de vidro (contos) as estações (poesia)
barquinho de papel (prosa) manifesto-me (crônicas) nas nuvens (poesia e prosa)
o ano do gato (contos) em mãos (correspondência)

livro 01

Organizado por Lunna Guedes, essa edição convidou os autores a poesia e a prosa… os autores: Adriana Aneli, Nirlei Maria Oliveira, Flávia Côrtes, Obdulio Nunes Ortega, Caetano Lagrasta, Anna Carriero, Lígia Libaneo, Anna Clara de Vitto, Yara Fers, Joakim Antônio, Isabel Rupaud,Roseli Pedroso, Mariana Gouveia.

O resultado são poesias em páginas azuis e uma narrativa que se oferece enquanto trovão no azul…

livro 02

Quem conta um conto, aumenta um pouco e foi partindo dessa premissa que Lunna Guedes convidou Adriana Aneli, Carol Favret, Flávia Côrtes, Isabel Rupaud, Mariana Gouveia e Obdulio Nuñes Ortega para escrever narrativas a partir de um conto — o fio condutor de Casa de vidro, tão frágil quanto as emoções dos personagens que cicularm de conto em conto…

livro 03

Um livro de poesias que reúne 04 poetas da Scenarium Flávia Côrtes, Mariana Gouveia, Nirlei Maria Oliveira e Suzana Martins e suas estações da pele, da alma, do cuore e da alma…

livro 04

A idéia para esses cadernos de contar histórias foi uma dobradura colocada por uma criança numa poça d´água — despertando memórias. Veio o convite a prosa: Adriana Aneli, Bianca César, Isabel Rupaud, Lua Souza, Mariana Gouveia, Rozana Gastaldi Cominal e Suzana Martins aceitaram conduzir seus barquinhos de papel por esse mar de páginas…

livro 05

Lunna Guedes teceu o convite, uma crônica por semana, propondo os temas que cada autor levou na direção que quis, propiciando um olhar para muias paisagens…

Escreveram-se: Flávia Côrtes, Isabel Rupaud, Mariana Gouveia, Manoel Gonalves (Manogon), Obdulio Nuñes Ortega…

livro 06

Quando crianças, ao olhar para as nuvens, vemos desenhos de gatos, cachorros, coelhinhos, dragões… dizem que é o imaginário infantil. Mas e nós, adultos? O que vemos?

Isabel Rupaud, Lua Sousa, Mariana Gouveia, Nirlei Maria Oliveira, Rozana Gastaldi Cominal responderam com poesia e prosa…

         

livro 07

A idéia veio de Edgar Allan Poe e seu conto O gato preto que foi publicado em uma edição do Saturday Evening Post em agosto de 1843.

O conto é um estudo da psicologia da culpa…… e foi apresentado durante o encontro do Clube de Escrita da Scenarium…

Ananda Karenina, Isabel Rupaud, Lua Souza, Lunna Guedes, Mariana Gouveia, Obdulio Nuñes Ortega e Roseli Pedroso…

Sete autores, um para cada gato ou seria para cada vida?

Com ilustração de Valerie David Cats e poesias de Flávia Côrtes, Jorge Luís Borges, Patricia Highsmit, Rozana Gastaldi Cominal e Wislawa Zymborska.

livro 08

Uma troca de correspondência iniciada por Lunna Guedes… que escreveu ao vento e esperou por respostas para iniciar a aventura em linhas entre diferentes geografias, anatomias…

Responderam ao aceno: Flávia Côrtes, Mariana Gouveia, Rozana Gastaldi Cominal e Suzana Martins…

Plural  | É preciso estar embriagado

Meu caro Poeta,

Parei em suas linhas ao arrumar as prateleiras no meio dessa tarde, quando seu livro se precipitou ao toque — oferecendo-se para leitura. É abril por aqui… e esse mês não lhe pertence. É de Eliot que o intitulou como ‘o mais cruel dos meses’… um precioso verso, não achas?

Eu não resisti ao teu ‘convite’…
Abandonei a arrumação e fui para a cozinha:
Preparar um café… aceitas?

…‘como o mendigo exibe a sua sordidez’ — toda vez que eu leio “les fleurs du mal” penso em tua Paris… mais humana, menos luz. As pessoas tinham tempo para acenar umas as outras. Era possível dialogar as poucas notícias do mundo. Apreciar os artistas de rua… se oferecer como modelo ao pintor desconhecido, apenas pelo prazer de se deixar ver-retratar e nada mais.

…‘fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça’ — será que foi após a passagem do famoso-arquiteto-urbano por lá… que tudo mudou? Ou será que outros antes dele, agiram sem serem vistos?

Remendaram tua Paris… e a fizeram Luz.

Pouco humana — uma estranha, que eu conheci sem, contudo, reconhecer-te naquele mal elaborado traço, onde multidões de ninguém se orientam. Eu andei com o teu livro em mãos por várias ruas… museus, galerias e nada.

E vejo o mesmo acontecer na cidade em que vivo os meus dias contemporâneos. Seria uma inspiração tardia  ou seriam os tais homens a agir nas sombras?

Eu não lhe disse… mas estamos a bordo do século XXI e lhe confesso que é embaraçosa tal afirmação. Tudo por aqui se repete, como se a vida, o mundo andasse em círculos. A cidade luz de Haussmann sobreviveu com suas luzes… mas querem arrancar dela o seu bem mais precioso… a sua essência: a liberdade. Querem calar os pincéis. Quebrar os grafites. Rasgar cartazes. Mutilar telas-pessoas.

… ‘a tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez’ — proibir voltou a ser Palavra de Ordem. Tudo orquestrado por Senhores que erguem a voz para defender a tal: ‘família tradicional’… aquela que zela pela moral, bons costumes e que censurou a sua poesia. Os exemplares foram todos recolhidos. E você foi apontado e condenado por ofender a moral pública. Um subversivo.

…‘em meio às hienas, às serpentes, aos chacais’ — e esses senhores, meu caro poeta… estão a vencer. Uma nova forma de censura já se faz notar. Voltaire não tem mais espaço entre nós. A filosofia do homem está fora de moda. Ainda é possível acreditar na estabilidade das essências e na desordem da história, mas não do mesmo modo que Voltaire.

Desapareceu o teatro da perseguição, meu caro. Mas não a perseguição em si. O auto da fé virou instrumento nas mãos de uns e outros; discretamente ignorado pelos homens de sempre.

Fala-se no povo e eu recordo os romanos.

Uma passagem bíblica que condena um inocente e liberta o culpado. Repete-se até as falsas profecias, meu caro.

Outro dia, em uma conversa, a pessoa com quem tentava dialogar, defendeu-se… usando o discurso conhecido de ser a favor da educação.

Uma pessoa branca, num mundo solúvel a defender a educação do povo.
Respirei fundo e pensei em Voltaire.
Onde estão seus inimigos, agora?

Eu espio pessoas do alto de seus discursos inflamados, tão certos e definitivos… e não digo palavra. E sei que não sou a única a sentir cansaço. Essa gente só quer dialogar com iguais, tão acostumadas as mesmas falas — repetidas incansavelmente — que estão.

É mais agradável quanto concordam
com a gente ou dizem o que vai
em nossa mente, alegam.

Eu prefiro ouvir um discurso contrário ao meu, mas banhado em lucidez. Como uma conversa bêbada é boa de se ouvir… Por isso, você preferia as horas no gargalo.

Como não desfruto do mesmo gosto, opto por sorrir e acenar… Sair de cena, fazer silêncio — como recomenda uma poeta contemporânea ou como faziam as moças vitorianas.

Imagino sua gargalhada!

Mas é cansativo existir nesse tempo, lhe asseguro… embora — insistente —, ainda percorra os arredores de todos os corpos-mambembes, convertidos em marionetes a marchar rumo a esquerda-direita.

Sinto falta da ironia de Voltaire, meu caro e do seu vasto material linguístico. Combinação perfeita entre tempos e espaços. Você foi moderno e contestou a burguesia e suas coisas de ontem. Acabou censurado por esse agente que infecta a sua Paris com prédios charmosos e passadouros banhados de sol. Tudo muito elegante, sem a presença de pessoas de verdade. Essas têm horas marcadas para chegar e sair. Que triste ver o seu flâneur limitado ao estrangeiro e não mais aos parisienses, decapitados.

Tanto faz… mais café?
…‘é o diabo que nos move e até nos manuseia!’.

Lunna Guedes

Nasci em Gênova, no ano de 1981… o mês era novembro e vim ao mundo sob a regência de sagitário, numa casa com três números, cuja soma sempre me intrigou. Aprendi a ler e a escrever na mesa da cozinha. Fui para a escola aos seis anos e não me saí muito bem. Mas fui até o fim e conclui todos os estudos… atualmente escrevo e bebo café, não necessariamente nessa ordem…

Plural  | Meu lugar no mundo

Bambina,

Enquanto te respondo ouço I’am not the Only one, na voz de um cantor coreano e revisito meu passado. Lua de papel fez-faz isso comigo e agora os três livros que compõem a história me observam no canto da mesa — ou eu a eles — e penso na sua missiva e nos personagens que você cita nela. Você sabe do meu carinho por Alexandra e como sua personagem me tocou. Não sei se foi empatia ou por que em algum momento me comparei com ela.

Eu fui Alex. Embora soubesse exatamente o que estava sentindo e encarasse isso de forma natural — até certo ponto — me vi envolvida por uma Raíssa.

Ana era esse trovão azul que você sentiu em Raíssa e era imensa, cobria qualquer lugar que estivesse com sua presença. Ana era real e era de Marte e eu? Ah, eu era a menina careta criada na roça, com tantas coisas embutidas dentro de mim, criada nos preceitos da igreja católica. Só por isso você pode imaginar que tudo fora dos “padrões” convencionais era considerado pecado por minha família.

A palavra pecado era pronunciada tantas vezes em casa que até alguns pensamentos me levava a rezar as 10 ave-marias — que o padre que visitava a fazenda duas vezes por mês nos impunha — antes mesmo de confessá-los e até isso, era considerado pecado.

Sempre relutei com os rótulos que designa a opção sexual de alguém. Lembro-me de que algumas vezes, por estar sempre de macacão era chamada de ‘sapatão’ pelos colegas de escola, já no ensino médio. Na época, nem entendia direito a palavra. Eu havia chegado recentemente da roça, criada distante de um grande centro e não sabia grandes coisas sobre o que acontecia fora das cercas da fazenda do meu pai. Mas sempre achei que o amor não precisava de rótulos ou jargões. Nem de sexo determinado… Mas, não ousava falar.

Talvez, por isso, fui compreensiva com Alex, no início. Eu era igual. Podada, medrosa e sem coragem. Talvez usasse a educação de uma família tradicional goiana para justificar o medo quando me vi encantada com Ana.

Mas, de repente, minha voz ganhou coragem e foi como se pulasse de um trapézio e dissesse: que se dane o mundo e os convencionais. Antes disso, havia engravidado do “primeiro namorado” na cidade grande e ele não reconheceu o filho, que morreu ao nascer. Me transformei em tantos personagens dos livros que lia que me perdia nos sentimentos.

E foi aí que o universo me ligou à Ana. Tanto para mim, quanto para ela era a primeira vez desse amor feminino que nos unia. Ela era mais corajosa do que eu e usávamos a poesia para nos fortalecer. Mas, ainda assim, ela era demais para mim. Eu só me sentia segura dentro de quatro paredes e me refugiava no medo de que minha família descobrisse o que eu era. Mas, o que eu era? A filha que ficou responsável pelos irmãos mais novos depois que a mãe morreu e que as irmãs mais velhas colocaram para fora de casa quando descobriram que eu amava outra mulher citando que eu estragaria meu futuro?

A mulher que sabia o que queria, sem perder a responsabilidade que me foi exposta tão cedo?

Para elas, eu era a rebeldia da adolescência em pessoa e para mim, eu era a liberdade que pensava em apenas amar. Sem rótulos ou culpa. Queria ser apenas a mulher que amava. Não a bissexual, a sapatona ou outras linguagens de gêneros que surgiram depois, porque para mim, não era o gênero que me importava. Mas o que eu estava sentindo.

Embora já tivesse tido namoros com rapazes e tivesse até engravidado de um, naquele momento, o amor me movia em outra direção. Ana. De Marte.

Hoje, parece uma história de ficção e Ana era tanto que o nosso lugar ficou pequeno e ela ganhou asas. Viajou para o exterior e eu fiquei só.

O envolver com outra mulher foi considerado por minha família como coisa de adolescente. Ana era a ‘culpada’ por se aproveitar de mim e mesmo assumindo tudo fui ignorada. Acho que sou até hoje.

Então, quando li Alex nas suas palavras eu quis abraçá-la. Até certo ponto eu a entedia… Não é fácil quebrar algumas barreiras. É preciso coragem e talvez, Alex não tenha conhecido alguém para ser exemplo.

Mas, quando Anne na sequência da sua história, vi ali meu reflexo mais puro… eu respirei várias vezes ao ler sobre Anne. Não havia como não me ligar a ela. A Alex era “meu passado” rabiscado em gestos tímidos e palavras secretas. Visão de uma cidade grande que não me cabia, mesmo em alguns momentos me sentindo tão pequena, sem encaixe no mundo.

Anne, possuindo o olho das certezas era eu descobrindo que podia falar abertamente para o homem ao meu lado e que eu escolhi para ser meu companheiro e ele entendia e era cúmplice da história que se desenhava para mim, ouvi dele que eu não precisava de definição nem de desculpas para viver o que queria.

Talvez, faltou apenas à Anne — diferente de mim — o marido que a escutasse e aprendesse a dividir os sentimentos. Ele me fez grande e maior do que a cidade e seu povo que estranhava tudo. Ele segurou minha mão e me seguiu quando Ana voltou.

Em muitos momentos, também me senti como Anne minguando, daí veio um sol que brilha quando a lua em seu estado minguante ainda se prepara para se esconder e comecei a ser dona de mim. Me reinventei e vivi o meu amor de livro. Um amor que conto em Colcha de Retalhos. Sem rótulos, sem pressão, sem denominação. Apenas amor.

Quando você cita sobre os elementos que as unia eu percebo que é o mesmo elemento que me ligou a elas e à minha história.

Acho que há muitas Alexandras, Raissas e Annes por aí. Muitas, escondidas, como eu fui por um tempo. E acho que a ficção me colocou dentro do universo pleno de ser quem eu sou sem meias medidas. Acho também que me fiz pertencer no mundo sem magoar ninguém.

Hoje, Ana se foi e sou grata a ela por tudo que vivi. Ainda vivo inquieta dentro das palavras dela e agora sei a qual universo eu pertenço...

O meu…

Mariana Gouveia

É autora do romance Colha de Retalhos

Plural | De olhos bem abertos

A você, que me lê…

O tempo está seco: poeira e folhas se espalham pelas ruas da cidade. Típico mês de agosto. Como é prazeroso ver as árvores trocando suas “roupa-gens”. Parece ritual de preparo para as floradas de setembro. Aprecio demais ver essas mudanças na natureza. Penso na transitoriedade e na urgência do aprendizado das pequenas alegrias do cotidiano.

Estou organizando minha biblioteca pessoal — coisa que raramente faço. Isso depõe contra a minha profissão. Mas um pouco de caos nas estantes colocam diferentes autores para um diálogo por vezes insano e divertido. Atrevidamente, selecionei três livros para lhe sugerir a leitura. Mas a indecisão me consome: qual personagem irá gostar? Uma mulher com insônia e que a noite vive outra vida? Uma idosa que desbrava o mundo ou um matador de aluguel?

Depois de muito pensar, decidi por algo que me atravessa fortemente. Falar sobre mulheres, seus desafios e conquistas, assunto que não se esgota nos livros, mas transborda em nossas vidas diariamente. Sono e silêncio, despertar e desejos de uma mulher que está dezessete dias sem dormir são motes para este conto do Haruki Murakami. Uma metáfora sobre mulheres esmagadas pela rotina e o embotamento dos desejos, mas que um dia acordam e vivem suas vidas de outras maneiras. 

A personagem é uma mulher comum, sem nome.

Poderia ser qualquer uma de nós. Dona de casa e mãe, vive para a casa, filho e marido, repete diariamente a mesma rotina, sem refletir sobre sua vida, projetos e sonhos.

Neste ponto, sofri muito com a descrição e a repetição das rotinas da personagem. Com a falta de tempo para si. Sua dificuldade de pertencimento e o embotamento dos desejos. O absurdo da rotina bate na nossa cara com força e traz a percepção do quanto subtrai alegrias e desejos em nossas vidas, nos alienando dos problemas, onde tudo parece caminhar bem, se repetimos continuamente.

Com o passar dos dias e sem dormir, a mulher se percebe disposta fisicamente, viva e com energia. Manter-se acordada lhe traz possibilidades. As madrugadas são suas. Ela começa a viver uma vida dupla. Pela manhã repete a rotina e nas madrugadas inicia uma jornada de autoconhecimento. Reflete sobre sua vida, o casamento, o filho, coisas que ficaram pelo caminho e lhe traziam alegrias. Começa a se olhar e a repensar suas escolhas “não pode mais ficar com os olhos fechados para a sua vida — acordou para o seu mundo”.

Ela retoma a leitura de Anna Karenina. Percebe-se mulher diante do espelho. Volta a comer chocolate. Delicia-se em uma banheira. Bebe conhaque. Faz longos passeios noturnos de carro e tudo isso com muita paixão e enorme entusiasmo. Ela libertou-se da necessidade do sono.

Gostaria muito de lhe contar o desfecho, mas de pouco adianta. Murakami é previsível em vários aspectos. Você terá de refletir muito sobre os elementos simbólicos contidos neste livro. Desde a escolha do livro Anna Karenina, as ilustrações impactantes da artista alemã Kat Menschik. Creio que, no fim, terá mais perguntas do que respostas.

Não sei se já lhe disse, mas eu tenho por hábito, manter na minha estante apenas livros que me tocam, e este é um deles: edição belíssima, capa dura, impressão em papel grosso envernizado, tinta especial e as maravilhosas ilustrações.

Nirlei Maria Oliveira
Livro: Murakami, Haruki. Sono. Rio de Janeiro:
Cartas para abril

Nirlei Maria Oliveira

é Poeta e Bibliotecária com mestrado em Ciência da Informação, nasceu em  Formiga MG, e reside em Campinas, SP. Trabalha no IFSP, Campus de Hortolândia. Atua com ações e projetos de estímulo à leitura. Organizadora da coletânea Quarentena Poética (2020). 

É autora do livro de poesias Palavr(Ar)

Cartografia das Sombras (pré-venda)

Olá,

E a Revista Plural (edição especial de dez anos) que eu nomeei Cartografias das Sombras ficou pronta. Atrasou um pouco. Contratempos no mundo dos livros artesanais… porque um livro artesanal tem seu próprio ritmo. É feito por elementos que não estão disponíveis no tempo de Chronos… como diz a poesia de Anna Clara de Vitto, é coisa de Kairós, essa figura grega-parceira de dança, porque é disso que se trata: dar movimento as palavras que serão alinhavadas.

Para essa composição, escolhi Smells Like teen spirit como trilha sonora… e fui espalhando textos: poesias, crônicas, provocações, desaforos — tudo impresso — pelo chão da sala, num dia cinza-frio. Apertei o botão da máquina para preparar um expresso e fui ao som de Patti Smith, a dama maior do punk rock.

Na primeira página de Cartografia das Sombras, a poesia de Ana Cristina César, principal nome da literatura marginal — movimento que ficou conhecido como Geração Mimeógrafo. E a Carta ao leitor — escrita por mim — faz um tour por todos esses movimentos undergrounds, que alimentou a minha vontade pelo artesanal.

Lua Souza estréia na Plural com Cartografia e, como numa brincadeira de ioiô, nos leva para o passado e traz de volta, alinhavando lembranças através de um presente dado por uma amiga. Eu escrevi um desaforo a partir do poema Motivo de Cecília Meireles e não fui a única… Isabel Rupaud, Nirlei Maria Oliveira e Rozana Gastaldi Cominal vieram comigo nesse dizer-se que nos posiciona enquanto Mulheres que escrevem e rugem…

E como toda escrita precisa de cenário, Roseli Pedroso escreveu A cidade da minha escrita e teve companhia nesse tour por lugares e paisagem de June Camargo, Nirlei Maria Oliveira, Rozana Gastaldi Cominal e até eu me aventurei nessa escrita conduzida por outro maldito: Charles Baudelaire que gritou para o mundo uma cidade muda, mais depresssa que o coração de um mortal — mas o mote foi outro, Caetano Velloso que se apoiou no modernismo de Mário de Andrade para escrever: alguma coisa acontece no meu coração.

E nas crônicas, tivemos a estréia de Lygia Geliamo Oliveira, com seu delicioso Tem coisas que come com as mãos e a ironia característica de Roseli Pedroso com Sua pulga atrás da orelha e o tom bem humorado de Zeca (José Francisco Vanucchi) que retorna a Plural, com a sua Alice socialite.

E tem mais… Carol Favret resolveu provocar o universo literário a meu convite e escreveu E aí, Leitor… HQ é literatura? E já que era para provocar, resolvi trazer de volta um tema antigo e discutir: O Erotismo na Literatura contemporânea

Haja Café, meu caro leitor!

E para fechar temos um caderno verde de Correspondência… Obdulio Nuñes Ortega escreve a respeito de uma das mais importantes obras do artista plástico Edward Hopper. Mariana Gouveia nos entrega uma carta de amor e desamor, quase uma cantiga contemporânea. Nirlei Maria Oliveira, uma bibliotecária, escreve a respeito de um livro (quem diria?) e eu escrevo à Baudelaire fechando o ciclo dos subversivos desta edição.

Ah, e tudo isso, muito bem acompanhando das poesias de Anna Clara de Vitto, Flávia Côrtes, Gabriela Lages Veloso, Juliana Ben, Lua Souza, Manoel Gonçalves (Manogon), Margarida Montejano, Nilei Maria Oliveira, Obdulio Nuñes Ortega, Suzana Martins e Rozana Gastaldi Cominal.

Boa leitura!

Julho artesanal | Correspondência

Por Mariana Gouveia

foi assim que você pensou que eu viria ao mundo
foi assim que que você me viu na floresta
foi assim que você me viu pendurado no poste elétrico
sempre pendurado num ramo qualquer, sempre usando
o verão.


só você sabia quantas flores eu usava
porque agora eu já sei
que você dedicava as noites
à contagem…

Matilde Campilho

Leonor,

Mais uma vez te escrevo e não sei se essa carta irá para a caixa redonda que fiz com folhas de jornais, que é onde guardo coisas tuas… As cartas que recebi, as que escrevi e voltaram, junto com as que não enviei.

Hoje, queria apenas te mostrar o quintal… o vento derrubou as flores do ipê e ele parece feito de ouro. Um tapete de flores amarelas no chão. Isso me fez lembrar que você só o viu em broto, quase rebento. Depois disso, perdi o tanto de vezes que ele floriu. No início, eram poucas flores, duas ou três por galho…  A flor do ipê tem essa mania de se oferecer ao vento e basta uma brisa leve para que dance em rodopios até cair no chão.

Mas, nesses anos todos, ele aprendeu a florir. A copa está amarela como nunca vi e por incrível que pareça ainda nem é agosto.

Juro que eu pensava que iria florescer em agosto, quando o cerrado transforma a secura em beleza. A gente havia marcado essa viagem para um agosto qualquer, lembra? Mas você sumiu e o ipê continua a seguir seu curso de dar flores temporãs.

Dizem que hoje é o último dia do outono e me pergunto: como saber esse exato instante em que uma estação se despede da outra? É possível, Leonor, saber? Ou você me responderia com o sopro do dente de leão entre risos?

Amanhã começa o inverno e você sabe que essa estação nunca existiu no meu lugar…  Mas, nesse ano foi tudo diferente. O tempo misturou as estações uma dentro da outra e vivi quase todas nesse mês. Agora, ao te falar a respeito das flores do ipê, parece que a primavera exalava no quintal. As hortênsias também floresceram e as avincas parecem buquês de noiva. E amanheceu tão frio que parecia que o inverno havia antecipado a chegada. Porém, quando o sol atravessou as nuvens e a parede sem reboco da vizinha da esquerda, o calor habitual aconteceu.

Você diria que essas coisas só acontecem comigo, no meu lugar… e eu te responderia que apesar de ser tão cética, essas magias continuam acontecendo por aqui. Acho que todos se habituaram com a sua ausência devido a falta de notícias e eu me apego a essas coisas para atravessar esse caminho que você desenhou.

Lembro-me de quando você viu, pela primeira vez, as borboletas virem em minhas mãos. Era uma tarde que antecipava chuvas e eu recolhia as roupas no varal quando uma delas surgiu e, de repente, pousou em minha mão… você pediu silêncio e registrou em fotografia… o momento.

Ainda tenho a fotografia, guardada na mesma caixa… Lembro-me de que foram vários clicks e seu olho de encantamento se misturava com a pergunta: como você faz isso? Depois, foi outro bicho, outras borboletas, outros insetos e eu expliquei que eles fugiam da chuva que se anunciava… buscando um lugar na varanda, longe dos pingos que caiam enquanto você esperava pela chuva no meu quintal. E ela veio morna e você dançou como quem brindava o instante… a coisa mais linda que aconteceu no meu lugar.

Eu ainda sinto sua falta todos os dias.
Beijo meu,

Mariana Gouveia

Cartas à Gilka

Gilka Machado

biografia

Mariana Gouveia

Carta à Gilka Machado

Obdulio Nuñes Ortega

A Poeta que amava o amor

Coletivo O Mapa de Vênus

R$ 35,

O Mapa de Vênus é uma correspondência poética… Cada poema impresso nas páginas desse Coletivo é uma resposta a Missiva envaida pela coordenadora do projeto Lunna Guedes as poetas convidadas a confeccionar uma narrativa em forma de versos…

Anna Clara de Vitto, Katia Castañeda, Mariana Gouveia,
Nirlei Maria Oliveira e Suzana Martins