O que faz um Editor de livros?

Ao ler um artigo publicado por uma revista especializada em literatura — uma das últimas no gênero mundial — nesta manhã de junho… recordei os meus primeiros passos no universo literário. Admito que demorei para me encaixar nesse molde-rótulo. Até por não encontrar na realidade local — leia-se Brasil, São Paulo, América do Sul — uma referência…

Quando os textos começaram a chegar… tentei não deixar passar nada. Não demorou para o desconforto aflorar e eu me dar conta de que não seria possível ler tudo porque algumas narrativas não me diziam nada — era como levar à boca um ingrediente indesejado.

Alguns textos eram bons. Mas eu sentia falta de um ou outro ingrediente. Ao apresentar para uma Autora os meus argumentos quanto ao manuscrito apresentado, ela respirou fundo e disse: “Tudo bem. Pode mexer. Mas não mexe muito, porque eu tenho ciúmes das minhas palavras São coisas minhas, que vem lá do fundo da alma. Entende?”.

Consciente de que mexeria com abismos… Tracei a minha estratégia e apresentei as mudanças que considerei propícias. Eu me senti uma vendedora dessas lojas de roupas: “essa peça não ficou bem em você. Quer tentar outro modelo?”. Foi um trabalho delicado. Por inexperiência e por qualquer coisa de piedade… cedi aqui e ela ali. Serviu como aprendizado para os trabalhos-futuros…

Nota mental anotada: nunca mais recuar de minhas certezas.

Outro caso interessante aconteceu no mesmo ano… ao lançar a proposta de exemplos de poesias e contos — primeiro projeto de publicações da Scenarium… em 2013. Recebi um sem-fim de textos — lidos com calma e cuidado. Um deles, no entanto, me atropelou. O material era péssimo — sem qualidade. Algo que eu considerava impossível, afinal, há de se imaginar que todo texto produzido tenha alguma qualidade, o que permitirá salvá-lo. Eu estava enganada. E eu precisei sair para andar calçadas e encontrar uma maneira de dizer em voz alta para o autor: “não vou publicar”.

Ao voltar das ruas… escrevi uma pequena resposta e enviei a minha recusa. Pouco depois, tocou o telefone. O autor estava furioso. Enumerou desaforos e desligou o telefone na minha cara. A pessoa procurou outra Editora e o manuscrito acabou publicado sem alterações-correções ou revisões. E a pessoa se tornou o feliz autor de um livro terrível. Não tive mais notícias, nem de um e nem de outro…

Eu já colhi todo tipo de reação… susto-espanto-desconforto-e-outros-tantas-reações. Eu entendo que o autor trabalha a partir de seu mundo-realidade-idéia — sem ressalvas ou cuidados. Muitas vezes, trabalha à exaustão física. E quando entrega suas linhas a alguém, acredita ter feito o seu melhor. Quer receber afagos — elogios — para amenizar o cansaço. E não receber o que se espera… é bastante complicado/delicado, uma espécie de banho de água frio num dia de inverno.

Eu admiro o universo da edição. E me sinto privilegiada por habitar esse mundo. Não é fácil conquistar a confiança de autores para cortes-recortes, observações quanto ao tema, personagens, realidades, parágrafos e palavras. É um trabalho feito a quatro mãos, duas cabeças, muita respiração, pausas necessárias, cansaços. Um Editor deve saber o momento de recuar e avançar porque o objetivo é obter um bom texto… porque quando se edita um texto, pensa-se todos os mundos possíveis: da pessoa que escreve à que irá ler.

O escritor não lida com todos esses mundos. A sua obrigação é individual. Precisa ser fiel a pessoa que usa a pena, a sua alma, emoção. Tudo isso precisa estar presente no texto e se alguma coisa escapa, cabe ao Editor apontá-la.

Na condição de Editora… afirmo que é muito raro um material chegar pronto às minhas mãos. E posso assegurar que editar para obter um melhor resultado, não é tarefa fácil. É necessário respeitar a voz que chega em intermináveis frases. Saber cortar — sem exagero — os excessos. Compreender os mecanismos de escrita, os vícios e, sobretudo, alcançar o Autor-personagem-pessoa e o leitor.

Um bom editor tem consciência de que o Autor receberá todos os louros das linhas escritas — foi o que eu aprendi com uma das melhores pessoas com quem tive o prazer de trabalhar quando decidi me aventurar por essa realidade-insana. Ele afirmava sem titubear… ao Editor, depois de todo o trabalho feito, resta o anonimato… as sombras! O seu nome escrito, sem destaque, em um canto qualquer do livro. Mas, se o Autor fracassar, não o fará sozinho. O Editor não prova o sucesso. Mas, saboreia o Fracasso… E vai para o limbo com o seu autor-livro, afinal, foi ele quem deu o aval e o disse estar pronto — autor e livro — para encarar o universo literário… e os entregou aos leões, mais conhecidos por: leitores…

— mulher. colecionadora de silêncios, de ontens e de miudezas. artesã. degustadora de cafés, de realidades e de livros.

Autora de Lua de Papel, Vermelho por dentro e Alice, uma voz nas pedras e Editora da Scenarium livros artesanais e da Revista Plural.

Evoè

2 comentários em “O que faz um Editor de livros?

  1. Quando entramos pelo portal da Scenarium quase é possível ler à entrada: “deixe o seu ego do lado de fora”. A vaidade literária igualmente. São quase a mesma coisa, ainda que muitos a separem. O escritor, não. Mas feito massa de pão que quanto melhor sovada, melhor fica, esperamos que seja alcançado o melhor sabor, ao apetite do leitor.

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