A cidade da minha escrita

Sempre que me proponho a escrever, alguma coisa acontece no meu coração que pulsa no cérebro. Ambos viram um único órgão. A ideia surge como que por encanto das fadas da boa escrita. No entanto, deixei de acreditar em fadas e duendes há muito tempo.

Só eu sei o duro que dou me debruçando no teclado e quase adentrando a tela do notebook. A visão não é mais a mesma do tempo de meninice. Aos cinquenta e muitos, haja lentes monofocais Zeiss para enxergar o que muitas vezes a alma não deseja ver.

Percorrer estradas de minhas letras tecidas, pode muitas vezes, ocasionar em acidentes geográficos, de trânsito ou o pior deles: encontrar um amor, se iludir, amar e desamar e, se armar diante da desilusão. Já caí em cada buraco nessas travessias…

Em cada esquina, Dionísio oferece um gole. Conforme meu estado de espírito, a bebida desce maria mole. Há momentos que a acidez de minha ira, acarreta a fermentação excessiva da boa bebida. Cuspo de lado e sigo tentando permanecer em linhas retas mas qual quê, nada sei fazer de forma lógica então, paro, mergulho no chão, engulo poeira estelar que desmaiou de tanta poluição, adormeço e até esqueço que sou escritora e então sonho.

Sonho que sou arquiteta e tal qual Niemeyer, traço espaços arredondados, crio belezas que perfumam a alma, teço padrões que acalmam e fazem toda criança sorrir. Crio parques temáticos onde a alegria é genuína e não direcionada. Os brinquedos obedecem a ordem de criar cenas onde é imperioso ser feliz.

Recordo que — quando cheguei por aqui — eu nada entendi. Escrever, como assim? Eu não sou capaz então, lembrei que já havia Rita Lee e a sua mais completa tradução. Quis ser ela: rebelde, talentosa, debochada, ruiva e sardenta. Ah mas os prédios que se erguiam ao meu redor me deixava confusa, sem norte, sem visão de como e onde seguir.

Assim fui despejando um rio de palavras à esmo, inundando ruas, derrubando árvores, apodrecendo tudo ao redor. Ainda não aprendi a usar a métrica, não faço ideia do que venha a ser a tal da estrutura, muito menos faço distinção do que seja metáfora. A única certeza da cidade que construí, é que ela é o avesso, do avesso, do avesso, do avesso…

Roseli Pedroso

É canceriana regida pela Lua. Bibliotecária. Leitora voraz e escritora por necessidade. Em 2010, participei do curso de criação literária promovido pela Editora Terracota em parceria com a Universidade Cruzeiro do Sul. Fruto desse curso foi a participação da antologia de contos Abigail. Não parei mais.

É autora de Quinta das Especiarias…

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