Nas Nuvens | Nuvens…

cavalos-marinhos

sentada na areia da praia olho a imensidão do mar

movimentos e cores entram em minhas retinas

deixo-me embalar pelo fluxo e refluxo das ondas

relaxo e desfaço os pontos de tensão no meu corpo

minha mente divaga e me perco na paisagem

algo flutua acima da linha do horizonte

em meio às nuvens cavalos-marinhos azuis dançam para as sereias

(eu, na areia, contando conchas do mar

e construindo castelos)

Mil Tsurus

desejos florescem nas dobras dos tempos

nos corpos ávidos ou desérticos

centelhas religam cacos em vitrais

e os fragmentos de nós

viver é domar angústias

sustentar com sorrisos o peso

incontornável das dores

felicidade plena são nuvens efêmeras

pequenos tsurus que vejo no céu

(aprendo a dobrar papéis, a coluna e a esquina

sem esperar respostas do tempo)

O gato de Alice

no rosto — o espanto —

silêncio singular

infinito objetos e seres

nas paisagens ilusórias

entre nuvens emerge o gato de Alice 

e seu sorriso enigmático

seguro uma xícara de chá

e anoto mentalmente um poema

— tudo é volátil e ilusório —

me diz o chapeleiro Maluco

 tudo é impermanência, Alice

Nirlei Maria Oliveira… poeta e Bibliotecária com mestrado em Ciência da Informação, reside em Campinas, SP. Autora do livro de poemas Palav(Ar) (2021). Organizadora das coletâneas: Quarentena Poética (2020) e Cotidiano, Poesia, Resistência(2021).
Tem poemas publicados nas revistas: Travessias Literárias, Cult — Lugar de Fala, Literatura e Fechadura, A Palavra No Agora do Museu da Língua Portuguesa, Literatura Brasileira no XXI, Partilhas Poéticas do Museu Ema Klabin, Acrobata, Tamarina Literária, Aboio, Ser MulherArte, Ruído Manifesto, Sucuru, Errancia  (Universidade Nacional Autônoma do México), Desvario, Entreverbo, Revista Toma Aí Um Poema!, Kuruma’tá — Revista De Culturas E Afetos, Caderno Literário Pragmatha.

As Estações  | Do Cuore

invernal
longas são noites longe de ti
curtos são os dias de partilha
nas manhãs
a geada brota
a gelar nossos ossos

na moldura
terra cindida entre frio e quentura

(venha amor, mas não se esqueça
do seu cobertor)
noite gélida de silêncio e fogo
o vento arrasta roupas no varal
portas e janelas rangem a esmo
respirações e corações acelerados

vestígios de nós
nos retalhos do tempo

(corpos-concha-corpos-casulo)

corpo-chama-corpo
com cheiro
imorredouro dos afetos

Nirlei Maria Oliveira… poeta e Bibliotecária com mestrado em Ciência da Informação, reside em Campinas, SP. Autora do livro de poemas Palav(Ar) (2021). Organizadora das coletâneas: Quarentena Poética (2020) e Cotidiano, Poesia, Resistência(2021).
Tem poemas publicados nas revistas: Travessias Literárias, Cult — Lugar de Fala, Literatura e Fechadura, A Palavra No Agora do Museu da Língua Portuguesa, Literatura Brasileira no XXI, Partilhas Poéticas do Museu Ema Klabin, Acrobata, Tamarina Literária, Aboio, Ser MulherArte, Ruído Manifesto, Sucuru, Errancia  (Universidade Nacional Autônoma do México), Desvario, Entreverbo, Revista Toma Aí Um Poema!, Kuruma’tá — Revista De Culturas E Afetos, Caderno Literário Pragmatha.

CASA de vidro  | O segredo do bolo de fitas

Seria a primeira vez que um homem entraria na casa de Iolanda, com a sua autorização, desde que Darci morrera. Estranhou o pedido feito através de um bilhete que o filho mais novo entregou com curiosidade.

— O padeiro pediu que lhe entregasse, mãe.

Sentiu qualquer coisa a incomoda-la ao desdobrar o papel para ler a mensagem:

Prezada Iolanda,

Solicito uma consulta no dia e hora em que não for inconveniente.

Assunto do seu interesse.

Que assunto teria com o padeiro? Como era mesmo o nome dele? Inácio — disse o filho, adivinhando o pensamento da mãe. Lembrou-se das poucas vezes que havia entrado na padaria de Inácio, às pressas, em busca de farinha e ovos. E de vê-lo, de longe… nas poucas vezes que varria as folhas da calçada pela manhã. Trocavam discretos cumprimentos — que acenavam a sua vaidade de Mulher. Mas não conseguia pensar em qualquer assunto em comum para com aquele senhor…
Iolanda sabia que era bem-apanhado e considerado um bom partido pelas moças da cidade que, segundo Filomena, o disputavam entre si. Inácio havia mandado um garoto entregar uma cesta de pães doces, que ela retribuiu após recuperar-se de uma forte gripe. Preparou o seu famoso bolo de fitas e mandou entregar com um bilhete. Toda vez que o seu caçula passava por lá, o padeiro lhe oferecia um lanche. No mais, nunca se falaram, nem mesmo no tempo em que frequentava a missa do Ambrósio.

Lembrou-se que ambos eram confeiteiros. E, considerou que o padeiro pudesse ser mais um interessado em descobrir a receita de seu famoso bolo de fitas? Tentativas não faltaram…

Marcou uma data no calendário fixado atrás da porta da cozinha e pronto: vamos ver qual será a sua lábia, seu Inácio. Considerou que seria o suficiente para por um ponto final ao mistério, trazendo sossego ao seu coração, que palpitava toda vez que pensava no padeiro. Mas, durante as suas tarefas rotineiras, se surpreendia  pensando nele. Ordenava que parasse, e tentava — sem sucesso — voltar a se concentrar em suas atividades. Até bilhete trocado mandou entregar, por estar com os pensamentos ocupados com o padeiro. E não foi a única confusão. Salgou um doce e adocicou o feijão.

Na quinta-feira — data marcada no bilhete entregue pelo filho — começou a aflição. Um pouco antes da hora se viu diante do espelho, arrumando os cabelos, retocando a maquiagem e renovando as gotas de perfume no pescoço. Escolheu um vestido vermelho — o seu favorito — por realçar suas curvas-retas e se arrependeu de não ter comprado os sapatos destacado na vitrine da única loja de calçados da cidade.

Estranhou a agitação que seu coração fazia… E ficou feliz com o elogio feito pelo primogênito. Sorriu suas vaidades e saiu desfilando pelo corredor até a cozinha — toda faceira. Retirou o bolo no forno e colocou a chaleira o fogo para o chá de cidreira.

Inácio bateu na porta na hora marcada. Trouxe uma farta cesta com pães e biscoitos e outra caixa embrulhada em papel de presente. Iolanda reparou na elegância do padeiro, que havia cortado os cabelos, feito a barba e comprado um belo par de sapatos. Tentando não demonstrar empolgação e aquietar o coração, puxou o baralho e começou a embaralhar as cartas.

— Eu não vim para uma consulta, Iolanda. Gostaria apenas de lhe entregar isso. — disse Inácio, colocando o embrulho, com algum cuidado, em cima da mesa.

Iolanda abriu a caixa e lá estava, diante de seus olhos, o par de sapatos desejados. Pensou em recusar, mas Inácio se antecipou.

— Eu reparei no seu olhar e fiquei feliz por poder atender a um desejo seu. Há anos que tento descobrir com o seu menino mais novo, uma maneira de lhe presentear.  Minha intenção era ver novamente aquele olhar.

Iolanda lembrou-se que era uma viúva e não deveria aceitar presentes. Mas o que mais poderiam dizer a seu respeito, na cidade?

— Por favor, não considere um atrevimento da minha parte. Sou um homem solteiro e sei que passei da idade das escolhas. Mas, a verdade é que a única moça que me interessou, foi escolhida por outro de mais sorte que eu.

Inácio narrou toda a vida de Iolanda durante os anos de viuvez. Apontou as muitas vezes em que a defendeu da maledicência das víboras da cidade. E, finalmente, do momento em que tomou coragem para uma visita, encorajado, pelo filho mais velho que fez questão de anunciar a sua preocupação com a mãe.

— Vou estudar na Capital, e estou preocupado em deixar a minha mãe sozinha, nessa cidade.

Inácio sentiu que o rapaz estava lhe dando o aval para a aproximação. E num gesto cortês, tomou as mãos de Iolanda junto às suas, pedindo para que buscasse nas cartas uma resposta.

— Não precisa ser agora. Eu prefiro que pense com carinho a respeito e me responda quando estiver pronta. Envie outro bilhete através de seu caçula, que eu virei correndo.

Iolanda sentiu o coração renascer… E ao calçar os sapatos naquela noite, em seu quarto, sorriu suas certezas. Entregaria tudo a Inácio: o seu coração… e a sua pele de mulher…

Menos o segredo do seu famoso bolo de fitas.

Mariana Gouveia... pessoa adoradora de lua, borboletas e joaninhas. É dona de um beija-flor chamado Chiquinho que em algumas noites dorme em suas mãos. É a humana de Lolla e Yoshi, os cães que domaram seu coração para além dos voos. Sonha com os pés no chão. É marítima sem nunca ter conhecido o mar. É de rio e de terra. Do ar e do vento…Tem horas que pensa que é apenas uma, mas acontece que dentro dela moram várias… 

Mosaicum  | Flávia Côrtes

o gosto do sol
escorrendo pela pele
goteja verão

as folhas no chão
anunciam a estação
hora de mudar

o inverno traz chuva
e certos transbordamentos
acontecem dentro

mulher infinita
um mar florido navega
prima que é do vento

comigo ninguém pode

Queriam-me limitada
caixinha de ritos,
conjunto de regras,
da ternura e poesia apartada.

Queriam-me educada
pra ser sempre pedra fria:
imóvel na praia
a aguardar o impulso
que me moveria.

O acento em meu nome
não me proparoxítona!
Por vezes me chamam Flá
mas há sempre uma via.

Percorro-me de todo jeito,
até trechos que desconheço.
Nesta Rota 43,
é no presente que me vejo.

Atire a primeira pedra
quem teve pretérito perfeito,
equívocos-aprendizado
jamais serão defeitos.

Buscando pavimentar o barro
que nos fez atolar no passado,
paralelepípedos instalados,
da lama que incomodou
fica só o legado.

E mesmo quando Vinha,
em nada sou diminutiva.

Sinto muito por quem lamenta
Deus ter me feito intensa.
Acolho-me, aceito-me,
(im)perfeita presença.


Por muito tempo silenciada,
sofri demais de auto-asfixia.
Se Rupi de tabus fez poesia,
por que calar eu deveria?

Prefiro ser eu mesma
e por vezes incomodar,
que me sustentar em mentiras,
ser comigo injusta pra agradar.

Quem fala erudito
mas não sabe discordar,
ignora a habilidade
de com a diversidade dialogar.

Morar em bolha ou armadura
e se valer de inverdades
é vencer de xeque-mate?

Ou usar do poder e se enganar,
é perder feio o combate?

Em defesa da míope razão,
vale distorcer a realidade?

No embalo de música boa
é a flecha do amor que lanço.

Não vago no lume, danço.
Até quando perco, eu ganho.

Por isto não (des)espero
e mesmo dorida, esperanço.

E o AR ascendente geminiano
apazigua ou alimenta meu FOGO ariano?

Cá na minha terra
planto palavras-limite
auto amor é ouro

Sigo pela vida
Escrevendo minha história
Rascunho não há

Flávia Côrtes é de Salvador/BA e é intensa por natureza. Servidora pública como Drummond, tem orgulho de poder também fazer diferença nesta posição. Herdou das mulheres fortes de sua família sua grande Fé na Vida e, após longo período de aridez, redescobriu o poder de sua voz. Integra a Cia Subversiva de Dizedores de Versos, o Coletivo Nua Palavra. Participa de diversas antologias e coletâneas como coautora e em 2022 estreou como organizadora de obras coletivas. Para ela a conexão com Deus e consigo mesma é o que dá sentido à vida e a faz perceber as flores no caminho. A escrita? Considera-a um instrumento de autoconhecimento e cura.

A arte salva!

Mosaicum  | Nirlei Maria Oliveira

corpos-multidão

quando falo dos corpos na multidão
:apenas ausências

:não é rebanho
gado ovelha cordeiro

todas as gentes
juntascoladasgrudadas
alma coletiva
carne VIVA

amorfo plural multifacetad
é a quentura das ruas
— agora vazias —

                    desejosansiedadeagonia

das ruas e suas fervuras
de gente que cola
na gente que
conforta e reconfigura
a gente

voo curto

o amor foi abatido em pleno voo
era precoce de afeto
morreu de metáforas gastas
no epitáfio
aqui jaz
foda-se
já era

para o presente

I

embrulha
sua
solidão
em
pacotes
descartáveis

II

desembrulha
afetos
recíprocos
em
grandes
partições

samba da dama


carrego nas costas doces bagagens
embornal de vida vivida abarrotado
de cheiro do mato
de cantos, rezas, novenas festivas
folias de reis
e ervas das benzedeiras

Samba da Dama

sal e doce é o império da
Serrinha, Serrano de
Ivone
rainha, dama, guerreira
diva Lara e lira
música no sangue
samba, partido-
alto
palavra e voz, compôs
na ala dos nobres
 alada


à frente e enfrente
dos homens do samba
reinou
fez seu enredo de mulher
do samba

acordei com fome


sentada no cimento frio
devoro palavras e mais palavras
mastigo e engulo
vagarosamente
limpo a boca
e bebo mais vinho
a poesia resiste

Nirlei Maria Oliveira… poeta e Bibliotecária com mestrado em Ciência da Informação, reside em Campinas, SP. Autora do livro de poemas Palav(Ar) (2021). Organizadora das coletâneas: Quarentena Poética (2020) e Cotidiano, Poesia, Resistência(2021).
Tem poemas publicados nas revistas: Travessias Literárias, Cult — Lugar de Fala, Literatura e Fechadura, A Palavra No Agora do Museu da Língua Portuguesa, Literatura Brasileira no XXI, Partilhas Poéticas do Museu Ema Klabin, Acrobata, Tamarina Literária, Aboio, Ser MulherArte, Ruído Manifesto, Sucuru, Errancia  (Universidade Nacional Autônoma do México), Desvario, Entreverbo, Revista Toma Aí Um Poema!, Kuruma’tá — Revista De Culturas E Afetos, Caderno Literário Pragmatha.


Mosaicum  | Anna Clara de Vitto

sou possível
não sou peça
sou medicinal
para mim mesma

não sou lista
sou catarse
não sou presa
sou teia
bem tecida

não sou casca
sou húmus
úmido de orvalho

não sou semideusa
sou lâmpada que
acendeapaga

não sou ruído
e nem sempre canção
— sou palavra

eu sou sede
sou barulho
pinha seca
chegada de longe

eu sou desterrada
concha mensageira
de um mar abandonado

Anna Clara de Vitto nasceu há trinta e muitos anos à beira-mar, e o mar é a úncia coisa em que crê.
Geminiana, corinthiana, poeta, lomógrafa, servidora pública, esquerdopata e uma grande cínica, porém de bom coração. Escreve “Cartas Fora do Tempo”, newsletter de periodicidade um tanto quanto errática. Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (2010).

Desde 2017, integra a coordenação do Clube da Escrita para Mulheres, fundado em 2015 pela escritora e poeta Jarid Arraes.

Mosaicum  | Adriana Aneli

Encontro respostas

onde falhas se colocam com clareza
os continentes se afastam

Loucura pensar que superamos?
O planeta gira sua órbita; nós seguimos erráticos
(a dúvida permanece do ponto em que parti)

Claro é que chamei seu nome
e por tantas vezes fiquei à espera
seu grito agora, desordem,
ecoa meu silêncio.

desertores

Os dois.

Tornar-se antes de querer

desistir ao medo de ter medo

percorrer nossos corpos em hálito de morte

como  a água turva caminha para o mar.

Incomum

seria não atender ao chamado

Sei do vento
da chuva
da dor (que se nega) ao destino

Olhos enxergam
o avesso
:
sento-me só
à beira do desespero.

promessas se cumprem

nutrem raízes secas
e folhas amareladas

É por esta noite que esperávamos!
deixo a porta aberta
e não me pergunte para onde.

o vazio

é agora nossa casa:
com escadarias e abismos
ruas de pedra
e vísceras espalhadas

Sua voz débil me cala.

Adriana Aneli…nascida e vivida em São Paulo desde 1976. Aos 13 anos acreditou que a literatura era mesmo um bom negócio: depois de lançar livros, fazer recitais (vestida de mamãe Noel em cima de um caminhão) e ganhar um programa de rádio para chamar de seu, achou que estava errada e foi fazer Direito. Após sua metamorfose de décadas, redescobre a Tempestade Urbana e com Boca a Penas está de volta ao Scenarium. Fui!

Mosaicum  | Lígia C. Libâneo

Navego nesse corpo
De feridas, cicatrizes
E de espaços entre as feridas
E porque navego
Faço outras fendas
Vou abrindo outros caminhos
Onde o afeto nunca esteve.
Eu ouvi seu áudio
Por diversas vezes
E a sua voz sem as palavras
E as palavras sem a sua voz
E o áudio sem você
E ouvi você sem mim
E eu sem a nossa história
Por fim, ouvi a nossa história
Sem a sua voz
Quando todas as janelas
levam meus olhos ao jardim da casa,
como se por arte das armadilhas
uma vida submarina
acontecesse à imagem e semelhança
daqueles nossos dias,
risco essas palavras. 

poema inspirado em títulos
de livros de Ana Martins Marques


chamaram de azul
o afeto triste
eu chamei de amor
essa capacidade de compreender
o que entrega cada uma das nuvens
e a honestidade de um mar
pintado em aquarela
Sua voz tem barulho de chuva
mesmo quando declama
o sorriso do sol.
É que para ela
são inesquecíveis
os encontros
entre os pingos e a pele.

Lígia Carvalho Libâneo… é goianiese, psicóloga e poeta. Na UnB, fez graduação, mestrado, doutorado e atua como psicóloga escolar. Seu primeiro livro de poesias se chama Acontessências (Editora AVÁ, 2021).

As fagulhas iniciais de seu livro estão na página do instagram @euuconto, lugar onde compartilha seu diário do olhar. São os encontros o motivo da sua escrita.

Três poemas de Nirlei Maria Oliveira

Olá leitor e leitora,

Dando continuidade a nossa semana poética… hoje é dia de Flávia Côrtes — autora do livro amor sem mestre — nos indicar 03 poemas… E a mulher-poeta-soteropolitana escolheu o Coletivo de poesias Andarilha, que foi organizado pela querídissima Anna Clara de Vitto nesse insano 2022…

E das deliciosas páginas desse livro, vieram os poderosos versos de Nirlei Maria Oliveira… e suas linhas nomeadas:

DA MINHA BOCA VERMELHA NASCEM PALAVRAS CAMINHEIRAS

Boa leitura!

1

a poesia vagueia

pelas 

minhas

veias e artérias

(A)

morosamente

— se —

desloca por todo o meu corpo

inebriado

a poesia vagueia

pelas 

minhas

veias e artérias

(A)

morosamente

— se —

desloca por todo o meu corpo

inebriado

2

sigo

em jornada

imune ao peso

— concreto —

dos dias de marasmo

insano

3

das

entranhas

do meu corpo

vertem palavras

férteis

delírios sensações

em

 versos pulsantes

viajantes

Três poemas de Suzana Martins

Olá leitor e leitora,

Esta será uma semana poética aqui no blogue. Eu convite as Poetas da Scenarium para selecionar versos dos livros por nós publicados. Serão 3 poemas por dia… e começamos hoje, porque segunda-feira é o famoso e inspirador dia da lua…

Nirlei Maria Oliveira — autora de Palavr(Ar) –, escolheu o bélissimo livro (in)versos… de Suzana Martins e após folhear cada uma das páginas do livro, escolheu os poemas abaixo:

Boa leitura!

Menina de asas

Eu ansiava voar
como os pássaros
na imensidão do céu.
Imitei voos livres
que pareciam asas de águia
tatuadas em minhas costas
como uma simples farpa
na existência da liberdade
cravada em mim.

Sem penas e asas,
exalando coragem,
celebrei um voar silente
naquele céu atrevido e livre.

Tão sentidas as minhas asas,
que em um suspiro
lânguido e sereno
desperta palavras soltas
escritas em meus beirais.
Magnetismo liberto
no infinito azul.

Em um voar sublime,
trocam-se as asas
pelas palavras
e o que era tatuagem,
hoje são versos
que sobrevoam o papel.

Com a liberdade passeando dentro de mim
mesmo estando longe do céu,
aprendi com as palavras
o que eu não consegui com as asas: voar!

Testamento

Deixo as minhas letras embaçadas
o meu coração pulsando
e todas as memórias
de outono que escrevi
no litoral.

Ps.:
Não esqueça o potinho
de mar, água, areia e sal
que deixei na gaveta da estante.

Lá longe,
onde sol se põe,
ficam as minhas asas
adormecidas, intactas,
quase cansadas
esperando as palavras
e os versos
de um dia de outono.

Ali, onde o sol dorme
ensaio voos,
ajusto as nuvens,
desafio o canto
e sigo alto
para rasgar
o medo que
habita em mim.

Te amei à meia-noite
no escuro
no silencioso suspiro.

Te amei nas flores,
no toque sensível
no desejo infinito.

Te amei nas lembranças
à beira mar
no eclipse da lua
e nos labirintos
dos desejos
provocados por nós.

Te amei na areia
no mar, amar
na rua,
a todo instante
fui tua.

Toque

A tua palavra arrepia
a minha derme
e pulsa o querer
das nuances pretéritas
de tua geografia.

O toque suave
dos teus lábios adormece
em minha boca
o querer profundo
da tua atmosfera.

O teu céu
é um poema
de constelações absurdas
e um expoente
de amor sem fim.

O teu toque
é o meu arrepio,
o teu beijo
é o meu verso
sem rima
abraçado ao
teu poema
que pulsa na
ponta do sentir.

Conjugo o amor
no teu verbo
no teu sexo
na tua graça
na tua boca
nua e quente.

Falo de amor
com o teu beijo
com o teu toque
sem pressa,
na fluidez
do arrepio
sinto o pulsar
na derme.

Conjugo o amor
na tua boca
na tua pele
no teu sexo
que exala
em mim.

Você e eu,
frente e verso.

Avesso e inverso.

Você e eu
frente a frente
boca a boca
sexo a sexo
amor e desejo.

Você e eu,
frente e verso,
no avesso dos ponteiros,
em busca do amor
que escorre na boca
entre os dedos
no pulsar da pele
no arrepio do sentir.

Você e eu:
na ardência do desejo
à frente, ao avesso
ao reverso…

Você. Eu.
Frente. Verso.
Sexo. Desejo.
Amor. Vontade.
Pulsar. Gozo.
Querer. Arrepio.
Amar…

Você e eu
prazer!

Plural  | Solitude

Gabriela Lages Veloso

Nas folhas caídas, ao vento,
nos sons do silêncio,
na mutabilidade dos dias,
perceberás a ti mesmo.

Nas tempestades em alto-mar,
no barulho desordenado da cidade,
na solitude da multidão,
aí, sim, encontrarás o teu eu.

Perceber e encontrar a si mesmo
é um dom. Mas, enxergar o outro
como o seu próprio reflexo é
compreender o enigma da vida.

Plural  | Um dia comum

Nirlei Maria Oliveira

olho para janela e a chuva ainda persiste 
as prateleiras continuam com o seu tom cinza insosso
os livros permanecem no mesmo lugar de sempre

parecem me olhar julgar e condenar
sinto a revolta dos autores 

muitos indignados com seus poucos leitores
ou nenhum leitor ávido

outros não se conformam com as classificações
limitantes e invisíveis para o leitor

vários empoeirados e esquecidos em uma estante bem no fundo
quase ninguém vai até lá

poucos nem tão poucos assim 
perdidos para sempre

alguns felizes, mas em silêncio inveja roxa ronda as estantes

não tenho respostas para tantas questões dos autores
afinal, hoje é sexta!
melhor fechar a porta da biblioteca e ir embora

(sonho mesmo é com a Biblioteca de Babel de J.L.Borges)

Plural  | Desejos

Obdulio Nuñes Ortega

acordei om o desejo explicito de preservar
a lembrança de meu último sonho
e como acontece quase sempre
me surpreendo com a minha presença física
diante do espelho que não me revela
não foi esse que sonhei…
quem é esse sujeito que me perdeu?
mergulhei o rosto na água fria espalmada
ventos do centro seco do mundo
o desumedece  em sorriso crispado
inicio mais um dia em que a vivência sonhada
se perderá pouco a pouco
até restar a sensação de que não vivi
permanente espectro de que ainda não nasci
morte a caminho cada vez mais próxima
curiosidade que aumentada de como será
já se não é em vida porque morremos a  cada a dia
quase um anticlímax uma sombra
o momento abrupto do desenlace
traz tanto encanto dramático que o imagino
tantas vezes sendo comum feito um passarinho
que para de voar fecha os olhos e cai de lado
saio em corrente de motor à diesel
no movimento incessante do trânsito
sou carregado enclausurado em grupo de desconhecidos
competindo todos pelo espaço asfáltico
carros em profusão como se houvesse uma fonte
inesgotável de  potenciais assassinos em série
fantasio que teremos o mesmo destino imediato
a mesma curva mal feita
o atropelo dos instantes impermeáveis
ao cósmico sentido de estarmos seres imortais
e desejo de ser mais
carrego em meu bolso temas
frases escritos sentenças poemas
proseio com o meu imaginário que bebe álcool
ou outras drogas só assim para entender
de onde vem tanta ilusão
desmedida assim como o caminho
que percorro sem rumo em busca de desejos
sinónimo de esperança…
o que sonhei mesmo?

Plural  | Sobre Sobra

Manoel Gonçalves
Manogon


Sinto-me
E contemplo a vastidão
Sento-me
E reparo a devastação
Sou floresta de um homem só
Tronco decepado
De promissora plantação
Pensamento solitário
Frio, cinzento, sem folhagem
Senhor minúsculo do tempo
Sentado sobre terra
Agora plana
Sem picos e desfiladeiros
Sem planícies e planaltos
Sem poros e reentrâncias
Só bobagem
Sou peça solta
Sem pino, parafuso
Graxa e funcionalidade
Apenas engrenagem
Largada e esquecida
Sento-me sobre minha obra
Sinto-me apenas a sobra
Penso, penso
E nesse vazio
Será que existo?

Plural  | Fluido desapego

Flávia Côrtes

Passado
Solo fértil
a ser reflorestado
Ervas daninhas 
arrancadas
do universo de dentro
abrindo espaço
para o vazio
semeadura
Promessas de árvores 
lançadas à terra
por passarinhos
Raízes a serem cuidadas
para alcançar o céu
Nada cresce por milagre
Sementes precisam 
de tempo-alimento
para transpor a casca
assim como casulos 
não se rompem do nada
Desprender-se
do envelhecido
amortalhado
Ganhar liberdade-adubo
do próprio amor-irrigação

Plural Seja gentil

Margarida Montejano

Num encanto de encontro,
um aceite prazeroso. Um beijo!
Uma gentileza que azeitou o meu tempero,
adoçou o meu café,
deu ponto,
no meu risoto de queijo.
Nota mil!

Puxou a minha cadeira,
abriu, para mim a porta,
mandou flores em dia comum!
Óh vida prazenteira
que me presenteia em campos floridos,
sem pedir retorno algum!

Grata, óh mãe natureza que, seja noite ou seja dia,
me ama com poesia e me adorna, com total gentileza!

Quem dera, óh tempo presente!
Que a vida seja gentil, com esse povo sofrido,
que clama por paz,
Amém!

Plural  | Poesia

Suzana Martins

Teu olhar insolente
aquece, marca e
rasga a minha derme.
Teus lábios sedutores
confunde, entrelaça e
atiça a minha sede.

Sem pudor, entrego-me!

Teu sorriso, deveras perverso,
suplica por um beijo tentador.
Sem reservas, nossos lábios se tocam.
Teu corpo, esta teia perigosa,
aquece as minhas vontades.

Entrego-me a ti!

Face a face.
Beijo a beijo.
Olhos nos olhos.
Desejos. Lascívia.
Sinto o teu toque e
teu calor incendiar
a nudez arrebatadora
da minha pele.

Entrego-me em chamas,
sem nenhum pudor.
Rendo-me ao prazer
vulcânico e sedutor
do teu querer.

As Estações

Olá,

Ah, as Estações do ano. Como sabemos: são quatro: primavera e verão, outono e inverno. Ciclos completos que Vivaldi musicou. 

A primavera é a mais conhecida. 
A minha favorita é o Outono. 

Mas ouvir as quatro em sequência, pela manhã, em um dia de sol após uma semana cinza, é particularmente saboroso. 

E eu recomendo… e deixo a sugestão para você que é assinante do Clube do livro da Scenarium para que faça isso na companhia do nosso livro de Agosto:

As estações 

Reunimos 04 poetas: Flávia Côrtes e Mariana Gouveia, Nirlei Maria Oliveira e Suzana Martins e em seus sagrados versos dedicados As estações da pele e da memória, do cuore e da alma… nos conduzem por uma trama onde corpo-alma-memória-e-cuore são uma matéria-una. 

O livro foi enviado aos assinantes, mas para quem não faz parte do clube, pode encomendar a partir de hoje o seu exemplar.

01 exemplar R$ 39,90
02 exemplares R$ 60,00

Um forte abraço
Lunna