
Paulistana da gema, nasci no bairro da Bela Vista. Passei por outros bairros, mas sempre vivi em apartamentos, e, talvez por isso, adoro olhar a cidade do alto, apreciando a combinação de pessoas, ruas, árvores, postes, casas, prédios em diferentes perspectivas. Quando escrevo, o movimento é semelhante, voltado para dentro, explorando diferentes perspectivas de mim, da minha história e das minhas relações. Escrevo sobre o que penso e sinto, dos lugares (in)completos de mulher, filha, esposa, amiga e mãe. Desde 2020, participei de algumas coletâneas, assumindo meu lugar de escritora, que dá expressão e sustentação a todos os outros.
RAÍZES
Caminho inteira e sozinha pelo parque quase deserto.
Bendigo a chuva recém caída no solo úmido e fértil.
O céu se move num acolchoado denso de nuvens sobrepostas.
Tons de verde e cinza se mesclam numa harmonia fria que agrada meus olhos.
No tapete de folhas, o tempo se revela em amarelo, ocre e grená.
Observo o enlace das raízes — grossas, curvas, ásperas —
que em seus caminhos cruzados,
se abraçam,
se compreendem,
se perdoam.
Qual graveto fresco e frágil, me reconheço pequena e sedenta aprendiz.
TRANSFORMAÇÃO
Madrugada.
Acordo de um sonho agitado: preciso abrir espaço para o sono poder voltar.
Me arrasto até o banheiro, sem incomodar os que dormem.
Escrevo com pressa, antes que a lâmpada trêmula se apague.
Volto para a cama macia, ainda morna.
O ronco suave do frigobar; os pingos de chuva marcando o tempo.
Alguém ressoa baixinho ao meu lado.
Estou mais calma: o que era incômodo se tornou presença.
ANOITECER DA ALMA
É hora
de acalmar o peito, desfazer o laço, afrouxar o passo.
Já é hora
de acolher o tempo, abaixar o fogo, escutar o céu.
É hora, sem demora
de se recolher, reconhecer e desapegar.
É chegada a hora, agora,
em que para ser eu é preciso desatar o nós.