Seria a primeira vez que um homem entraria na casa de Iolanda, com a sua autorização, desde que Darci morrera. Estranhou o pedido feito através de um bilhete que o filho mais novo entregou com curiosidade.
— O padeiro pediu que lhe entregasse, mãe.
Sentiu qualquer coisa a incomoda-la ao desdobrar o papel para ler a mensagem:
Prezada Iolanda,
Solicito uma consulta no dia e hora em que não for inconveniente.
Assunto do seu interesse.
Que assunto teria com o padeiro? Como era mesmo o nome dele? Inácio — disse o filho, adivinhando o pensamento da mãe. Lembrou-se das poucas vezes que havia entrado na padaria de Inácio, às pressas, em busca de farinha e ovos. E de vê-lo, de longe… nas poucas vezes que varria as folhas da calçada pela manhã. Trocavam discretos cumprimentos — que acenavam a sua vaidade de Mulher. Mas não conseguia pensar em qualquer assunto em comum para com aquele senhor…
Iolanda sabia que era bem-apanhado e considerado um bom partido pelas moças da cidade que, segundo Filomena, o disputavam entre si. Inácio havia mandado um garoto entregar uma cesta de pães doces, que ela retribuiu após recuperar-se de uma forte gripe. Preparou o seu famoso bolo de fitas e mandou entregar com um bilhete. Toda vez que o seu caçula passava por lá, o padeiro lhe oferecia um lanche. No mais, nunca se falaram, nem mesmo no tempo em que frequentava a missa do Ambrósio.
Lembrou-se que ambos eram confeiteiros. E, considerou que o padeiro pudesse ser mais um interessado em descobrir a receita de seu famoso bolo de fitas? Tentativas não faltaram…
Marcou uma data no calendário fixado atrás da porta da cozinha e pronto: vamos ver qual será a sua lábia, seu Inácio. Considerou que seria o suficiente para por um ponto final ao mistério, trazendo sossego ao seu coração, que palpitava toda vez que pensava no padeiro. Mas, durante as suas tarefas rotineiras, se surpreendia pensando nele. Ordenava que parasse, e tentava — sem sucesso — voltar a se concentrar em suas atividades. Até bilhete trocado mandou entregar, por estar com os pensamentos ocupados com o padeiro. E não foi a única confusão. Salgou um doce e adocicou o feijão.
Na quinta-feira — data marcada no bilhete entregue pelo filho — começou a aflição. Um pouco antes da hora se viu diante do espelho, arrumando os cabelos, retocando a maquiagem e renovando as gotas de perfume no pescoço. Escolheu um vestido vermelho — o seu favorito — por realçar suas curvas-retas e se arrependeu de não ter comprado os sapatos destacado na vitrine da única loja de calçados da cidade.
Estranhou a agitação que seu coração fazia… E ficou feliz com o elogio feito pelo primogênito. Sorriu suas vaidades e saiu desfilando pelo corredor até a cozinha — toda faceira. Retirou o bolo no forno e colocou a chaleira o fogo para o chá de cidreira.
Inácio bateu na porta na hora marcada. Trouxe uma farta cesta com pães e biscoitos e outra caixa embrulhada em papel de presente. Iolanda reparou na elegância do padeiro, que havia cortado os cabelos, feito a barba e comprado um belo par de sapatos. Tentando não demonstrar empolgação e aquietar o coração, puxou o baralho e começou a embaralhar as cartas.
— Eu não vim para uma consulta, Iolanda. Gostaria apenas de lhe entregar isso. — disse Inácio, colocando o embrulho, com algum cuidado, em cima da mesa.
Iolanda abriu a caixa e lá estava, diante de seus olhos, o par de sapatos desejados. Pensou em recusar, mas Inácio se antecipou.
— Eu reparei no seu olhar e fiquei feliz por poder atender a um desejo seu. Há anos que tento descobrir com o seu menino mais novo, uma maneira de lhe presentear. Minha intenção era ver novamente aquele olhar.
Iolanda lembrou-se que era uma viúva e não deveria aceitar presentes. Mas o que mais poderiam dizer a seu respeito, na cidade?
— Por favor, não considere um atrevimento da minha parte. Sou um homem solteiro e sei que passei da idade das escolhas. Mas, a verdade é que a única moça que me interessou, foi escolhida por outro de mais sorte que eu.
Inácio narrou toda a vida de Iolanda durante os anos de viuvez. Apontou as muitas vezes em que a defendeu da maledicência das víboras da cidade. E, finalmente, do momento em que tomou coragem para uma visita, encorajado, pelo filho mais velho que fez questão de anunciar a sua preocupação com a mãe.
— Vou estudar na Capital, e estou preocupado em deixar a minha mãe sozinha, nessa cidade.
Inácio sentiu que o rapaz estava lhe dando o aval para a aproximação. E num gesto cortês, tomou as mãos de Iolanda junto às suas, pedindo para que buscasse nas cartas uma resposta.
— Não precisa ser agora. Eu prefiro que pense com carinho a respeito e me responda quando estiver pronta. Envie outro bilhete através de seu caçula, que eu virei correndo.
Iolanda sentiu o coração renascer… E ao calçar os sapatos naquela noite, em seu quarto, sorriu suas certezas. Entregaria tudo a Inácio: o seu coração… e a sua pele de mulher…
Menos o segredo do seu famoso bolo de fitas.
Mariana Gouveia... pessoa adoradora de lua, borboletas e joaninhas. É dona de um beija-flor chamado Chiquinho que em algumas noites dorme em suas mãos. É a humana de Lolla e Yoshi, os cães que domaram seu coração para além dos voos. Sonha com os pés no chão. É marítima sem nunca ter conhecido o mar. É de rio e de terra. Do ar e do vento…Tem horas que pensa que é apenas uma, mas acontece que dentro dela moram várias…
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