Por Obdulio Nuñes Ortega
Não apenas do que comemos para manter o corpo funcionando, vivemos. Mas também de tudo o que recebemos de vibrações energéticas, sensações físicas, mentais e espirituais — informações, olhares, toques, beijos, emoções, tapas, palavras, imagens, gostos, sentimentos, músicas, abraços, desejos, leituras, cheiros, vozes, sexo, silêncios, luz e sombra, amor e seu querido companheiro, o ódio — e tudo mais que desenvolvemos como seres viventes-comunicadores-emissores-receptores neste planeta.
Porém, se não conseguirmos digerir do que nos alimentamos, a tendência é que expulsemos boca a fora o excesso, material e metaforicamente. Muito do que nos alimentamos, em vez de nos fortalecer, nos faz mal. E pode até matar. São venenos que colocamos goela abaixo ou acolhemos com nossos olhos, ouvidos, nariz, boca e pele, mente. Invadimos e somos invadidos por todos os meios. Ofendemos e somos ofendidos. Sensíveis, mortais, ainda assim vivemos a buscar a eternidade por um instante, que seja.
A nossa tendência à violência ultrapassa os campos pelos quais trafegamos. Impedidos de eliminar nossos inimigos, nos comportamos como bestas-feras, caçando vítimas pelas ruas virtuais da Internet ou presencialmente em praças, casas, repartições, lojas, chãos de fábrica, quartos de hotéis. Há já algum tempo, o suposto anonimato tem garantido que assassinemos ídolos e seres comuns, matemos reputações ou maltratemos incautos que são escolhidos por estarem em evidência. A meta é cancelar-trucidar-reduzir. Sobressairmos. O mundo virtual tem avançado à frente do mundo real e vis governantes de nações democráticas são eleitos por inocentes úteis e crentes de ocasião ou profissão.
Vomitamos misérias das quais somos alimentados desde que nascemos. Crescemos de vômito em vômito. Se não nós mesmos, outros vivem desses despojos. Vemos, mas não enxergamos o quão podre é nossa comida — leis, sociedade, educação, família, amigos, concidadãos — nossa vida. Ou como a transformamos nessa monstruosidade da qual dependemos e até adquirimos o gosto de depender. Como se fosse um ideal perseguido — um prêmio ao final de todo o nosso esforço. Por ódio pressentido, mas mal definido pelo que nos tornamos, violentamos o nosso ser em busca de coisas que se desvanecem em valor ao longo de nossa existência. O que nos resta é o que nos resta. No máximo, sobram manchas regurgitadas de nossa pequenez em nossas roupas rotas.
Obdulio Nuñes Ortega — viu a luz no fim do túnel pela primeira vez em 09 de outubro de 1961. Desde então, sempre que acha estar sob o sol, o mundo se cobre de pesadas nuvens ou vê soterrado seu entendimento sob massas de quase impenetráveis cavernas de obscurantismo. Nesse quadro de idas e vindas, altos e baixos, tenta encontrar o equilíbrio necessário para respirar. Começou e não terminou os cursos de História e Português na Faculdade de Filosofia, Letras E Ciências Humanas, da USP; se perdeu e se reencontrou outras tantas vezes e se tornou, para sobreviver, um microempresário na área de eventos que apresenta como característica principal o fato de ser uma atividade errática e fluídica, quase sessões contínuas de acampamentos ciganos em sequência de montagem e desmontagem. Formou-se em Educação Física pela UNIP para entender o corpo que carrega a sua alma. Quanto a sua alma é de escritor. Pela Scenarium Plural — Livros Artesanais, lançou REALidade, Rua 2 e Confissões, além de participar com contribuições para edições especiais do selo e para a Revista Plural, trimestral. Vivendo e morrendo em São Paulo, onde nasceu, busca encontrar a palavra decisiva ou a pergunta perfeita.