Rozana Gastaldi Cominal

Mantém os sentidos em alerta: Eu vejo. Sinto. Vivo. Ufa! Respiro. E não piro. Suspiro!

Escreve porque sonha com uma sociedade menos desigual onde o respeito mútuo seja a base do diálogo, onde a poesia  e a sororidade estejam na ordem do dia.

Acredita na força dos coletivos e com eles  faz voz. 

R$ 32,00

Questionário de Proust, por Flávia Côrtes

E para fechar a semana, apresento a soteropolitana Flávia Côrtes… Nos encontramos durante uma live da Scenarium, no instagram e ela acabou a bordo de um dos Coletivos, depois de dizer sim a um convite insano… que faço para autores que acenam com suas linhas.

E estamos as duas a navegar… conversamos, discordamos e gargalhamos… Eu muito mais que ela, porque sou forjada no riso. Ela é mais séria, mas é boa de rir também. Às vezes, afirma que não pode rir de determinada coisa. Enquanto eu, posso rir de tudo… e gargalhamos as duas, das coisas da vida-mundo, menos da literatura que nos aproxima e une.

Flávia Côrtes

Flávia começou dizendo que quando pequena preferia as figuras às palavas… mas na época de aprender a ler, nada escapou, mas não gostou muito do que leu. E que foi Caeiro, uma das personas de Pessoa e seu livro Poesia Completa, quem a fez desejar escrever e publicar. Mas a inspiração veio mesmo foi de sua avó materna, que tinha caligrafia impecável (que Flávia confessa ter tentado imitar) escreveu histórias incríveis em um caderno e uma missiva, para a qual Flávia não deu muita importância à época, com apenas 15 anos, mas que atualmente é uma leitura que a faz desaguar. A avó, ao contrário da neta, não publicou em vida.

E revelou que muitos títulos e autores influenciaram a sua escrita e continuam influenciando, por isso considera injusto citar apenas um. Mas contou que sentiu ansiedade — e das boas — ao ler o Livro das Semelhanças, de Ana Martins Marques. E chorou horrores com Extraordinário de  R. J. Palacio. Riu com Comer, rezar e amar de Elizabeth Gilbert, Mil dias em Veneza de Marlena de Blasi e com o Sob o Sol da Toscana de Frances Mayes — disso porque são apenas algumas que vieram a cabeça da moça, que afirmou que Céus e Terra de seu colega Franklin Carvalho virou sua cabeça pelo avesso. E se arrependeu de ler Mentes Perigosas de Ana Beatriz Barbosa Silva porque a levou para um lugar que odiou. Ui…

E Se hoje eu te odeio de seu amigo Michel Duarte provocou medo e em sua prateleira existem contemporâneos que ela descobriu e considera maravilhosos. Mas foi Grito – Silêncios ecoando em minha voz, de Renata Ettinger que se transformou em livro-oráculo que Flávia Côrtes consulta sempre que precisa de uma luz.

Questionário de Proust, por Suzana Martins

Somos as duas dos tempos do auge do blogue… não me lembro quem encontrou quem. Mas foi uma dessas colisões que o universo provoca. Trocamos cartas, versos… e há pouco tempo, tive o prazer de publicar um livro de poesias de sua autoria — (in)versos.

Suzana Martins é a menina das marés, a figura litorânea que chegava até mim… em ondas. Em seu blogue eu publiquei meu rascunho primeiro de romance, atendendo a um convite feito por ela, a época. Capítulos diários que só escrevi por não saber dizer não a ela…

Suzana Martins

O livro que a fez querer ser escritora tem história e Suzana nos conta que a pergunta a fez vasculhar algumas de suas memórias de infância e de sua adolescência — todas tinham algum livro aberto num canto da casa ou enfiado na mochila para ler entre um intervalo e outro das aulas. E ela lembrou-se de ter devorado todos os livros de Fernando Sabino, a quem escreveu contando algumas de suas impressões e um agradecimento sincero por ter aprendido algumas palavras novasm sendo que a mais legal de todas foi: mentecapto. E o autor não apenas respondeu, como a presenteou com um exemplar de A companheira de viagem. E ela acredita que foi assim que percebeu que poderia ser escritora.

E afirmou que a sua escrita foi influenciada pela poética cotidiana do Fernando Sabino, pela poesia do livro Olhinhos de gato da Cecília Meireles, pela fantasia do C. S. Lewis em As crônicas de Nárnia e pelos romances mamão com açúcar da Marcia Kupstas… e de autor em autor, se fez uma lista: Clarice, Ruth Rocha, Ariano Suassuna, Ziraldo, Jorge Amado, Poe e King… Ufa!

E depois revelou que O mundo de Sofia de Jostein Gaarder foi o livro que mais lhe causou ansiedade, ao ler. Chorou com A menina que roubava livros de Markus Zusak e riu com O auto da compadecida de Ariano Suassuna… Contou que envergonha-se por não ter lido (ainda) A redoma de vidro de Sylvia Plath. E que a sua cabeça foi virada no avesso por Recursão de Blake Crouch. E arrepende-se por ter lido A paixão segundo GH da dama da literatura brasileira Clarice Lispector. Sentiu medo ao ler O conto de Aia, da senhora Margareth Atwood e riu desavergonhadamente ao dizer que o melhor livro que tem em sua prateleira é o seu — (in)versos. Mas, voltou atrás por considerar que seria injusto (eu discordo) com a infinitude de exemplares nos quais se debruçou, nos últimos meses. Dentre as poesias e romances que abraçam os seus devaneios, ao olhar para a estante, Poemas de Wislawa Szymborska foi o primeiro livro que olhou de volta.

Questionário de Proust, por Mariana Gouveia

A primeira vez que a busquei no aeroporto foi em um agosto-outro. O ano já me escapa porque eu não sou boa com marcações. Mas, eu me lembro da chegada e do abraço… De nós duas na cozinha; eu com a mão na massa e o olhar surpreso de Mariana Gouveia com o tamanho do pão — feito em pleno inverno paulistano. A frase dita em voz alta por ela ainda ressoa em mim.
Conversamos sobre tudo e nada…
Ela do outro lado da mesa e eu ali, a costurar os livros, finalizando-os na véspera do lançamento.
Mariana foi uma das primeiras pessoas a aceitar o meu convite para essa aventura plural mas, antes da Scenarium já havia uma mistura de sentimentos. Nossas vidas se entrelaçam, se misturam e se confundem em tempo-espaço, como se fizéssemos parte de um mesmo cenário. Sempre que faço um convite… prontamente ela responde e dessa vez não foi diferente.

Mariana Gouveia

Começou dizendo — ao responder as perguntas feitas — que o livro que a fez querer ser escritora foi A Ilha perdida, de Maria José Dupré e pasmem senhores, não foi um livro que influenciou a escrita de Mariana, foi um Autor e não foi qualquer um… Manoel de Barros. Ficou com tanta ansiedade enquanto lia O perfume, de Patrick Süskind… que a leitura foi como um sonho surreal, desses que você acorda e tem a sensação de que viveu alguma aventura, alguma coisa insólita e, talvez por isso, tenha se arrependido da leitura. Chorou com A cabana, de William P. Young e a Última música, de Nicholas Sparks. Riu horrores com Cadê Você Bernadette?, de Maria Sample. Envergonha-se de não ter lido Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Marquez. A sua cabeça foi virada pelo avesso por Alice, uma voz nas pedras e o melhor livro em sua prateleira é Lua de Papel, de Lunna Guedes… eu mesma, em pessoa e em dose dupla.

Se estou insuportável? Imagina…

Questionário de Proust, por Obdulio Nuñes Ortega

Já contei tantas vezes a história que perdeu a graça dizer como conheci Obdulio Nuñes Ortega. É sempre motivo de risos dizer que ele folheava um livro de Edward Hopper sem cuidado algum e ele rebate dizendo que o tinha folheado antes, como se isso justificasse o gesto descuidado.

Deixo a cena em paz após uma boa gargalhada. Mas, não antes de ele relembrar o espanto que foi vislumbrar alguém (no caso eu) que não fazia questão alguma de se oferecer aos padrões do lugar: um atelier na Praça da República.

Oras… eu não me rendo a conceitos e reuniões de pares-heteros causam-me enorme preguiça, servindo apenas para que eu elabore planos mirabolantes de fuga. E foi o que me fez percebê-lo… porque ele era (literalmente) a pedra no meio do meu caminho.

Obdulio Nuñes Ortega

Mas, um mesmo elemento nos une… a escrita, consequentemente os livros e ao receber suas respostas, apertei o botão da máquina para ter em mãos um expresso… para “ouví-lo dizer em voz alta”, por exemplo, que o livro que o fez querer ser escritor foram dois…  Vinte Mil Léguas Submarinas, de Júlio Verne e Reinações De Narizinho, de Monteiro Lobato. Que a sua escrita foi influenciada pela trilogia mais conhecida de Machado de Assis: Memórias Póstumas De Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro. E que Invasores De Corpos, de Jack Finney foi o livro que  mais causou ansiedade, ao ler. Chorou com A Elegância Do Ouriço, de Muriel Barbery, no final. Mas, o livro que o deixou em constante estado de tristeza, ao qual se vinculou durante a  leitura como se tivesse adicto, foi O Peso Do Pássaro Morto, de Aline Bei… e também o fez chorar no final. E riu com Tempo e Contratempo, de Millôr Fernandes… risos esporádicos, sorriso constante e um certo amargor por desvendar o quanto somos ridículos. E envergonha-se por não ter lido (ainda) Os Sertões, de Euclides da Cunha. A sua cabeça foi virada do avesso por Auto Biografia De Um Iogue Contemporâneo, memórias escritas por Paramahansa Yogananda. Literalmente, transformou a sua visão de mundo e descerrou o véu. E, pasmem, o autor afirmou nunca ter se arrependido por ter lido um livro. Todos servem a algum propósito, inclusive para saber como não escrever. Santa evolução literária… eu amassei uma folha de papel imaginária aqui. Mais alguém? E para finalizar, Obdulio diz que o melhor livro em sua prateleira é aquele que está lendo agora… Corredores, Codinome: Loucura, de Mariana Gouveia.

Questionário de Proust, por Adriana Aneli

Como leitora que sou, confesso que estou sempre curiosa por saber o que é livro nas mãos dos leitores, que são também autores ou pelo menos deveriam ser. Se estou em um ônibus-trem e vejo um passageiro bem acompanhado, viro a cabeça, reviro os olhos e não sossego até conseguir identificar título-autor…

E depois de ler no The Guardian — jornal britânico — as respostas dadas ao questionário que ele dirige regularmente a escritores conhecidos, que desta feita foram dadas por Patti Smith, autora de só para garotos e cantora de inúmeros sucessos, dentre eles smells like teen spirit… pensei em indagar os autores da Scenarium.

Selecionei 09 perguntas — no melhor estilo Questionário de Proust —, e aguardei pelas respostas… Algumas foram deliciosamente surpreendentes, enquanto outras foram reveladoras.

Adriana Aneli

E, começo com a autora do apetitoso amor expresso que diz, por exemplo, que o livro que a fez querer ser escritora foi A hora da Estrela, de Clarice Lispector; que o livro que influenciou a sua escrita foi Vidas Secas, de Graciliano Ramos; e ao ler O Processo de Franz Kafka sentiu tanta ansiedade que precisou fazer pequenas pausas para recuperar o fôlego. Chorou com Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos e riu horrores com Macunaíma, de Mário de Andrade; e envergonha-se de nunca ter lido Grande Sertão, Veredas, de Guimarães Rosa. A sua cabeça virou pelo avesso com Esperando Godot, de Samuel Beckett. Se arrependeu por ter lido A Profecia, de David Seltzer — sentiu tanto medo que ficou dias sem conseguir ter uma noite descente de sono. E finalizou… revelando que o melhor livro em sua prateleira é: As Canções de Bilitis, de Pierre Louÿs.

Aden Leonardo

Aden Leonardo… é pessoa engolidora de choros, por isso sofre de derrames por extensos quase todas as noites. Os assuntos que ela escreve referem-se ao enorme mundo à volta de seu umbigo. Adora escrever e fazer andanças, sobe morros e picos. Suspeita que a felicidade é algo tão difícil de alcançar que deve estar no mais alto ponto do Himalaia. Por isso escala em MG e RJ, vai que existem felicidadezinhas nas montanhas menores? Não suspeita que é escritora, é uma atrevida mesmo.

O Diário? Varanda para abrigar o tempo… anotações quase esquecidas, boletins seguidos de pequenas notas frutadas. Dias que se perdem com gosto. Um conjunto de miudezas.

Com vocês: Varanda para abrigar o tempo

R$ 35,00

conheça os outros livros da autora

Diário das coisas que não aconteceram

Diário das coisas que não aconteceram… com o Diário, ou “des-diário” pretende-se quase muita coisa. Inventar os dias que não existiram. Conforme o tempo passa sem acontecer o que inventamos de ser, em luz e sombras, dias e noites, nascer e morrer. É uma história de não, em frases de afirmações. Uma dose de intenções. Talvez aconteça, talvez acontecesse, talvez aconteceu. É um livro de incertezas.

R$ 35,00

Dentro de um Bukowski

Por vezes pensei nesse título. Seria um oportunismo usar “Bukowski”. Para uma escritora, gênero feminino seria uma agressividade proposital? O nome veio de uma resposta. Um comentário que eu gostaria de minha vida dentro de um livro, de preferência dentro do Buko. Tenho metas singelas. Todas envolvem dominar o mundo. Dentro desse livro, posso tudo. Ditarei as novas metas da ilha de Sartorini, novo escritório, com meu lado B enfim…
Dou notícias, em breve.  Céu abrindo, música de abertura, anjos pops, tudo que tenho direito. Aguardem”…

R$ 30,00

Plural dez anos

A Revista literária artesanal Plural surgiu em 2012.. era uma idéia egoísta… dessas que surgem no vácuo das nossas emoções. Apenas uma brincadeira entre amigos, que na ocasião, escreviam-se…

Era qualquer coisa colegial, despretenciosa… uma Fanzine com meia dúzia de exemplares, um coletivo de experimentações que se transformou — com o passar dos anos — em celeiro de idéias para os projetos artesanais da Scenarium.

Tudo era possivel-permitido naquelas páginas… papel rasgado-amassado-dobrado-queimado-colado… E a idéia-proposta se renovou e se reinventou… se construíu e descontruíu.

E para celebrar os 10 anos da nossa Revista… nada melhor que uma edição comemorativa e você que escreve, é nosso convidado para fazer parte dessa festa, intitulada:

Plural Cartografia das Sombras

Você já julgou um livro pela capa?

Por Lunna Guedes

Estava a andar pelos corredores de uma livraria — numa vida anterior a essa, ao menos essa é a sensação que eu tenho — quando ouvi uma mulher dizer a outra: é errado julgar um livro pela capa.

Respirei fundo e me imaginei levantando a mão esquerda e dizendo em voz alta: culpada. Somos seres visuais… julgar um livro pela capa é inerente tanto quanto julgar alguém no primeiro contato. Ok.

Eu me lembro que detestei a capa do livro O caderno de Maya, de Isabel Allende quando o tive em mãos, na ocasião do lançamento que trazia uma figura estranha, meio mórbida… que me fez recusar o livro num primeiro momento. Mas era Allende e eu optei por folhear o livro. E lá estava o conhecido estilo de narrativa que me conquistou. Ignorei a capa e devorei o livro.

Com outro livro — precisamos falar sobre Kevin — foi diferente. A capa original trazia um menino com uma cabeça de rato. É inegável que representava com maestria a figura principal do livro, que entra na escola onde estuda e faz suas vítimas.

É inegável que a capa de um livro chama a atenção do leitor e o objetivo é justamente esse. O designer se orienta a partir do título, do conteúdo e tenta fazer um resumo que sirva de porta de entrada para os nossos olhos.

E, enquanto figuras visuais somos atraídos ou não pelo resultado porque tudo nos chega primeiro através dos olhos. Há quem compre livros motivado por críticas, resenhas ou sugestões… Eu considero essas pessoas… dependentes do olhar alheio. Entendo que seja confortável, mas eu preciso ler trechos e ser tocada por eles, como aconteceu com “olhos de menina”, de Susan Fletcher… foi impactante e precisei devorar cada linha da história de Evie.

O livro artesanal permite outro formato de capa… escapando do padrão gráfico. Mistura cores, cortes e recortes, colagens e dobras. Posso abusar da criatividade, mas o resultado precisa agradar o autor e já falhei algumas vezes nesse sentido.

A primeira capa em que tive total liberdade para criar… foi com o livro “amor expresso” de Adriana Aneli. Ela tinha me enviado um projeto gráfico pronto, feito a partir da ilustração de Cristina Arruda.

Mas ao finalizar a leitura… percebi que faltava algo que combinasse com os elementos tão bem alinhados pela autora. Conversamos e eu perguntei se poderia apresentar uma proposta diferente de capa. Foi meu primeiro projeto com cores, cortes-rasgos-e-colagens. O resultado vocês já conhecem e o livro é um dos mais vendidos da Scenarium.

O resultado me fez abrir mão do formato gráfico padrão. Passei a usar e abusar de cores, gramaturas, cortes, recortes, colagens, dobras, encaixes e sobreposições.

Mas eu tenho plena consciência de que não agrada a todos… tanto autores-e-leitores acostumados ao formato convencional, se espantam com o resultado de uma proposta diferenciada. Há quem demonstre medo de tocar-manusear e uma parte de mim diverte-se horrores.

Mas, e você… já julgou um livro pela capa?

Quarto capítulo da Scenarium livros artesanais…

Por Lunna Guedes

Ao final do primeiro ano da Scenarium, eu não tinha certezas. Havia inventado meia dúzia de projetos de livros — exemplos de poesias e contos. Vinte disso, cinquenta daquilo. Capas e miolos iguais — tudo feito no Word, em caráter totalmente experimental. Mas eu não estava satisfeita…

Escolhi fazer uma pausa para observar tudo que havia feito… foi o que me permitiu compreender o chão que piso e o lugar que habito.

Uma das poucas certezas alcançadas era a de que eu não queria me envolver em disputas por prêmios e editais. Também não editar um futuro Best Sellers, tampouco disputar espaço nas prateleiras das Livrarias da cidade, por mais paixão que eu tivesse por aquele cenário de livros. O meu universo-realidade era outro…

Eu desejava investir tempo no formato do livro… encontrar um estilo próprio-único para o meu Scenarium. Um baú cheio de livros… uma mala. E ao pensar nisso, me veio a mente os vendedores de livros que passavam na rua em que eu cresci. Sempre tinham um exemplar para mim, escondido lá no fundo da maleta. Um dos meus livros favoritos de poesias eu adquiri assim, no portão de casa. O homem vendia Enciclopédias. Exibia satisfeito o catálogo de livros com capa dura. Coleções inteiras. Mio babo adquiriu algumas e eu aprendi muito ao folhear a maioria daqueles livros pesados que me levavam de um para o outro… em busca de respostas para as aventuras dos temas.

No segundo ano… eu experimentei diferentes tipos de papel, fios e fitas. Buscamos por um conceito de furação — de seis furos feitos por uma furadeira para quatro furos feitos com um simples furador de papel.

Uma coisa não mudou… nada era definitivo. Acumulei erros… meu elemento favorito. Não se adquire experiência com acertos. Fracassei em algumas propostas. Escolhi autores que não combinavam com a minha proposta. E foi aí que eu compreendi que o livro artesanal não é para todo mundo…

 | Post originalmente publicado em Catarina voltou a escrever |

Terceiro capítulo da Scenarium livros artesanais…

Por Lunna Guedes

O primeiro projeto literário que tramei foi o diário das 4 estações… que aconteceu, devido a uma necessidade-vontade que emergiu de minhas estranhas: voltar a escrever um diário. Coisa antiga… da minha infância, que foi norteada por cadernos vermelhos.

Escrever diários era coisa de C., e sua disciplina sensorial. Ela acordava para as manhãs de sábado e depois de se dedicar aos seus rituais matinais de corpo-mente-alma… migrava para a cozinha com seus livros-cadernos-canetas-coloridas e um velho baú onde guardava suas miudezas.

A partir dos meus sete anos passei a acompanhá-la… munida de meu primeiro caderno e de uma caixa de lápis de cor. Eu era toda verão naqueles dias e gostava de ver as cores se misturarem nas páginas, frase por frase. Mas não foi algo natural-imediato. Levou dias para eu encontrar um caminho e compreender-me enquanto pessoa que escreve na primeira pessoa do singular.

Lembro-me de que ao comentar com algumas pessoas sobre a idéia… fui aconselhada a escolher outro caminho — não há espaço para a escrita confessional no mundo literário. E eu que havia acabado de devorar os diários de Kafka, Jack Kerouac e Susan Sontag… dei de ombros e tratei de construir minha própria trilha de tijolos.

Tinha plena consciência de tudo que eu precisava para escrever: disciplina, rotina, organização… e escrever um diário me daria tudo isso. Fiz o convite e três escritoras aceitaram embarcar comigo nesse comboio.

Scenarium inexistia… e eu buscava por um lugar no universo paralelo; o underground. Aprendia a arte da encadernação em cursos que levavam na direção dos modelos convencionais de livro. Não era o que eu queria-pretendia. Eu flertava com o formato das Fanzines com suas páginas livres de conceitos e obrigações pré-definidas.

Eu não pretendia ser mais um livro nas prateleiras das livrarias. Por mais que eu gostasse daqueles ambientes cheios de livros… não era um cenário para a pessoa que eu sou.

Durante muito tempo eu segui às cegas… sem entender absolutamente nada de papel, textura, tintas ou relevos. Eu desconhecia completamente os bastidores do mundo literário. A minha realidade era a palavra e como lidar com frases defeituosas que exigiam reparos-cuidados. Não passava pela porta. Não conhecia o cheiro das tintas e manchar o papel. As gráficas ficam do outro lado da parede embaçada — fora de acesso.

Disposta a desvendar todos os segredos que envolviam a confecção de um livro… mergulhei nesse precipício. E em meio a malabarismos muitos… o projeto-primeiro veio ao mundo — em caráter experimental de formatos e bastante defeituoso. Não posso dizer que fiquei satisfeita com o resultado. Mas, não sou o tipo que sabota as emoções e eu estava satisfeita com o feito.

Repeti a fórmula a bordo da Scenarium livros artesanais… com o conhecido formato de cadernos impressos a casa — apertados-furados-e-costurados um a um, com o cuidado de quem aprendeu de quantas muitas páginas-palavras-segredos-e-mistérios é feito um livro que jamais será perfeito porque não assumi compromisso algum com essa figura e confesso, que sempre que alguém descobre um erro e vem correndo me contar, um sorriso brota no canto dos lábios.

Desde que a Scenarium surgiu ali em 2014… depois de um café-diálogo entre esquinas… já costurei mais de cinco mil livros. E ao saber disso, fiz uma pausa porque não sou boa com números. Não sei quantificar. Prefiro pensar no primeiro e no último exemplar costurado. No primeiro e no último projeto concebido. Nos muitos erros cometidos. Nos poucos acertos. No tempo que levou para rasgar um papel e amassar outro. Tudo que fiz e não fiz…

Essa é a trilha de tijolos do meu Scenarium!

 | Post originalmente publicado em Catarina voltou a escrever |

Segundo capítulo da Scenarium livros artesanais…

Por Lunna Guedes

Hoje, no meio da tarde, recebi mais um manuscrito para apreciação… é comum chegar aos meus olhos um sem-fim de páginas do Word, com textos autorais de pessoas que querem uma avaliação profissional (dessa que vos escreve) para eventual publicação na Scenarium ou apenas para saber a qualidade do material antes de apresentá-las para alguma Editora.

Ao ler as primeiras linhas.. recordei os dias de ontem. O cenário era outro… havia diante de mim duas enormes janelas com vista para o Pico do Jaraguá que, muitas vezes, sequestravam a minha atenção, muito mais que o texto exibido na tela.

Era um lugar emprestado… para onde fui para viver um par de dias, na companhia de meu menino. Cômodos grandes-estranhos, com escadas para baixo e para cima. Eu imprimia os manuscritos e saia com eles em mãos, a percorrer as distâncias da casa, com o cão no meu encalço.

Os primeiros textos com os quais trabalhei… vieram em caixas que foram deixadas em meu endereço, por um entregador — duas caixas bem cheias.

Eram os meus primeiros dias de trabalho… e eu nada sabia sobre riscos e rabiscos. Cada frase lida no papel era um desconforto. Recorri ao amigo-mestre… consciente de que ele apenas iria repetir a sua conhecida frase de efeito: ouvir o cuore. Perguntei a ele depois de quase amassar uma das folhas de papel: como eu digo a um autor que o texto dele não serve? E tive um ataque de risos quando ele respondeu com sua voz rouca-de-homem-de-quase-oitenta-anos: você não vai dizer absolutamente nada. Apenas vai recusar o manuscrito e alguém da Editora fará o descarte com uma daquelas cartas de praxe…

Isso facilitou bastante o meu trabalho inicial. Não havia compromisso com o Autor do manuscrito… apenas com o sim e o não anotado na primeira página. Mas, ao assumir a Scenarium… não havia outra pessoa — que não eu — para fazê-lo. Lembro-me de que escrevi e reescrevi um sem-fim de vezes um e-mail/carta para enviar a um determinado Autor… e, mesmo com todo o cuidado, ele respondeu de maneira grosseira, deixando bem claro que: se não te interessou, há de interessar a outro. Você é quem sai perdendo.

E o livro dele acabou publicado — com os mesmos erros e pouquíssimos acertos. Não era um bom livro. Daria muito trabalho para lapidá-lo e, ao ouvir o mio cuore, reparei que não valeria tal esforço. Meu projeto artesanal era algo miúdo, precisava encontrar os meus pares e, ele não seria um deles.

A vida é feita de escolhas! Eu já recebi muitos nãos em meus movimentos de vida-arte. No entanto, reparei que no atual tabuleiro…. as peças andam melindrosas. Penso que, talvez falte a toda essa gente, o velho ensinamento materno que me foi dado na infância: o não você sempre terá


Post originalmente publicado em Catarina voltou a escrever

Primeiro capítulo da Scenarium livros artesanais…

Por Lunna Guedes

Passei um par de minutos a pensar nos tempos de outra senhora — como se diz em Portugal — quando eu decidi que a edição de livros era uma bela muda de roupas para vestir o meu corpo.

Não tinha experiência alguma nessa área. Embora estagiasse aqui e ali… e vivia no meio de pessoas literária, participando de saraus, encontros, debates e embates, palestras, oficinas e cursos — na tentativa de compreender a escritora que C., enxergou em meu invólucro.

Depois de um sem-fim de cursos e muitos rascunhos… cheguei à conclusão de que seria muito mais fácil lidar com a produção alheia que com a minha própria. Afinal, os meus rascunhos careciam de uma maturidade que eu não sabia se alcançaria.

Diante de um signore conhecido pela bela coleção de livros que deu ao mundo, que eu inspecionava com os olhos sempre que me sentava em sua mesa para o diálogo matinal (nunca antes das nove, dizia ele) e, dada a calmaria do momento, me senti à vontade para questioná-lo — como encontrou o Norte de cada um desses livros?

T., acomodou seu corpanzil na cadeira, o cotovelo esquerdo na mesa e me olhou com especial atenção. Pouco depois abriu um sorriso-branco-gostoso, bebeu um pesado gole de café e disparou a fala bem pontuada, com uma calma natural de quem aprecia seus feitos — o único Norte que temos é o que pulsa dentro (disse, apontando para o peito e continuou). Mas, nem sempre o ouvimos. E ele insiste. Acelera e, às vezes, quase para. Faz qualquer coisa para que a gente o ouça. É apenas um músculo involuntário, dizem. Enquanto acreditei nessa premissa, cometi erros, senti medo de errar e até mesmo de acertar. Mas, quando eu apontei a Bússola para o lado certo… os resultados vieram. Eu cometi erros e eu espero que você os cometa também. Não aprendemos grandes coisas com os acertos. São os nossos erros que nos forjam.

O primeiro livro que eu editei — anos mais tarde — fez parte de um projeto inventado para ser o ponto de partida da Scenarium: exemplos de poesias, composto de cinquenta poemas. Recebi dezenas de escritos… lidos um por um. Comecei a compreender ali, o que me disse T.

Separei os que gostei… imprimi e li poema por poema, dentro de um fim de tarde. Gostei e não gostei. Li de novo e fiz tímidas anotações com a minha velha lapiseira, nos cantos das folhas impressas. Li de novo e  risquei algumas palavras. De novo… e inverti alguns versos. De novo e de novo… até ouvir um trovão do lado de dentro. E conclui: está feito…

Me lembrei das revisões feitas por Mário, em sua Paulicéia Desvairada. As “cirurgias” feitas por Higginson, na poesia de Emily Dickinson. E tantas outras intervenções. Me questionei sobre o meu gesto e a possível reação dos autores. Mario buscava pelo seu melhor verso. Mas a poeta estadunidense Dickinson, jamais aceitou os cortes e recortes.

Guardei o meu trabalho primeiro de edição na gaveta… e sai para andar a cidade. Pensar o lugar dos meus pés. Sentir as ondulações do caminho. Observar as silhuetas de casas e prédios. Provar da brisa paulistana, na pele. Degustar um latte entre esquinas. Ao voltar para casa, preparei um e-mail para a Autora, que respondeu no mesmo dia… e que resultou em meu primeiro material editado e consequentemente publicado pela Scenarium (plural) livros artesanais.

E lá se vão sete anos de muitos erros… e, alguns acertos!


Post originalmente publicado em Catarina voltou a escrever

Profissão: Editor…

Por Lunna Guedes

Ao correr meus olhos por cima de uma revista especializada em literatura — uma das últimas do gênero, em âmbito mundial —, me deparei com um excelente artigo, escrito por um Editor… à inglesa!
Os que me conhecem sabem que sempre me senti mais propensa ao estilo inglês e francês de escrita, seja na condição de leitora, escritora ou mesmo de editora.
No cenário literário europeu, prega-se a idéia de “editing”… que significa que o Editor é alguém que corrige, anota, sugere alterações, risca e rabisca sem receios. Às vezes, muda “todo” o conteúdo, dando nova forma e, sobretudo, melhora as linhas que compõem o escrito. E não apenas seleciona títulos e subtítulos para publicação, função específica de um publisher… função mais comum abaixo da linha do Equador.
No artigo que chegou aos meus olhos, o Editor conta algumas de suas peripécias com autores… e eu me diverti ao traçar um paralelo entre nossos mundos-universos, muito embora não goze de sua vasta experiência.
Lembrei-me (imediatamente) das inúmeras reclamações que ouvi desde que escolhi alinhavar palavras com agulha e linha — exigindo o melhor conteúdo dos autores.
Recentemente uma autora — após enviar os seus escritos — disse: “mexe, mas não mexe muito, porque eu tenho ciúmes das minhas coisas”. Respirei fundo e tracei a estratégia a fim de fazê-la enxergar que o conteúdo precisava de muitos cuidados. Sugeri mudanças, como se fosse uma vendedora dessas lojas de roupas: “olha, essa não ficou bem em você, quer tentar outro modelo?”. Ela consentiu com a proposta-revisão-alteração-mudança depois de tentar escapar do laço. Sorri por dentro ao ouvir dias depois da publicação: “você tinha razão desde o começo“. Bradei o meu contundente e parti para o próximo trabalho…
Mas já houve susto-espanto-desconforto-e-outros-tantos-punhados-de-reações porque o autor trabalha a sua idéia — sometimes — à exaustão física… e quando entrega as suas linhas à alguém, acredita ter feito o seu melhor. Na maioria das vezes, ele quer apenas receber afagos — elogios — para amenizar o cansaço e não quer ser importunado com questionamentos-críticas… papel de um bom Editor. Tenho plena consciência de que é bastante complicado/delicado quando nos apoderamos de um material para “lapidá-lo, ainda que desejamos o melhor. Nem sempre é dessa maneira que nosso trabalho é visto. Para muitos é apenas interferência desnecessária…
Certa vez, ouvi de alguns autores — numa dessas rodas de conversa — que Editores são, em sua maioria, escritores frustrados: “falta-lhes o dom da concepção — disse um dos mais revoltados. São úteros vazios — afirmou com veemência, de maneira totalmente alterada — resta-lhes apenas a adoção do que é alheio”.
O que eu faço questão de enfatizar é que é muito raro… acontecer de um material chegar pronto às minhas mãos. E o trabalho a ser feito, não é nada fácil. A tarefa é árdua na maioria das vezes. E o resultado de cortes-recortes cirúrgicos, nem sempre agrada ao Autor, que se sente menos importante, como se todo o talento fosse expurgado do seu corpo, por mim.
Existem muitos pontos a considerar na hora de editar um texto: respeitar a voz do autor, que chega em intermináveis frases… os vícios de linguagem, o ritmo de escrita e o tempo de respiração que cada autor usa ao escrever suas “poderosas” frases, cheias de efeito…
Tem um autor que guarda as frases que eu corto para depois e quem guarda textos inteiros… eu não faço comentários quanto a isso. Embora considere uma perda de tempo. Em algum momento, o autor compreenderá ou não…
O importante, é que na condição de Editor… eu necessito ser capaz de calar a minha voz. Ter bom senso e saber exprimir o melhor do material literário que tenho em mãos. Ser uma figura eternamente descontente-insatisfeita, que tem sempre exigências a fazer e plena consciência de que o meu nome estará atrelado ao do Autor. Se ele fracassar, não o fará sozinho.
O Editor não prova do sucesso. Mas saboreia todo o sabor amargo do fracasso e vai para o limbo com o autor e o livro. Afinal, foi ele quem entregou ambos aos leões, também conhecido como: leitores…
Eu acredito que um bom Editor precisa ser indiferente ao Criador e fiel a Criatura, afinal, riscar uma frase, acrescentar uma ou duas palavras, sugerir cortes… pode fazer dele um vilão para o Autor, que não tem obrigação alguma de saber que, para ser um diamante, uma pedra bruta precisa ser cuidadosamente lapidada. Mas, a Criatura-texto-livro… sabe sua condição e reconhece de quantas muitas mãos são feitas suas páginas.