Ana,
Senhora que carrega Cruz no nome e na alma, que sente o peso de sofrer sem saber porquê… Que ultrapassa em muito a básica experiência de viver para tentar sentir-sentir-se. Que não compreende tanto sol nessa Terra-Rio, porque apenas enxerga a escuridão de viver. Que celebra a beleza, quer toma-la para si, mas percebe que ela não devolve nada… apenas o vácuo. Que ama a maldição de escrever – jogar-se em álcool e tinta azul em folhas brancas, como cartas para posteridade, apesar de efêmeras. São como mensagens nas garrafas em pleno mar de gentes. Que, no entanto, não desejam abri-las. Eu mesmo, só a descobri mais recentemente, por intervenção de uma mão que recolheu seus versos e me mostrou. A mesma que me instou convidá-la para um café. Eu as recebi como se recém-escritas fossem. Tão frescas as texturas, gosto de novidade e intrigantes, que pensei encontrá-la em alguma esquina da antiga capital ou na velha Londres, falar consigo, saber de si, trocar impressões-expressões, soltar o verbo, tirar a roupa social, desvestir a máscara. Talvez eu não fosse um amigo tão profundo quanto o Armando e nem tão íntimo quanto o Caio, mas seria mais alguém a ouvi-la… Suspeito que, por mais que quisesse, você não encontrava o eco de sua voz em si mesma – “fala entupida”. Comigo, assim foi durante muito tempo. É penoso conseguir sair desse labirinto pessoal. Damos pistas falsas para nós mesmos. Nos iludimos com se quiséssemos “ancorar um navio no espaço…”. Preferiu flanar por Copacabana, boiar no ar pelo menos até o instante de perceber o chão duro em ondas. Não, não era o mar no qual poderia submergir e nele desaparecer. Preferiu a concretude, a solidez da certeza-chã. “Não sabia que virar pelo avesso, era uma experiência mortal”. Na Rua Tonelero de Lacerda, que levou Getúlio ao suicídio, decidiu pela “janela aberta, uma certa paisagem sem pedras ou sobressaltos”, seu “salto alto em equilíbrio, o copo d’água à espera do café…”, que não tomaremos… pelo menos, por enquanto.
Obdulio Nuñes Ortega... é autor de REALidade, Confissões e Curso de Rio, Caminho do Mar e do livro de contos Rua 2
Surgi nesse mundo em plena noite de São João com a curiosidade nata de quem veio a esse mundo para tudo registrar. Sigo a risca esse lema e através de meus escritos, desenho minha história e invento muitas vidas. Acho que gosto de ser Deus! ...leia mais