Vamos lá… você acordou em um dia azul e disse em voz alta: vou escrever um livro… Eu vivi uma experiência semelhante em meados de 2002. Minha reação a seguir foi respirar fundo para oxigenar bem o cérebro e dizer: ainda dá tempo de desistir dessa loucura! — Mas era o que eu queria-pretendia: escrever um romance. Consciente disso, fui adiante… E se você chegou a mesma conclusão, leia as anotações a seguir:
Primeiro conflito.
Eu não tinha uma história-personagens. A única experiência nesse sentido tinha acontecido em idade escolar, quando escrevi uma história em meu caderno de estudos, durante as insuportáveis aulas de geografia. Ou seja, eu tinha apenas a minha vontade — postergada por muitos anos.
Consciência: a escrita precisa ser prioridade…
Como tudo na vida… eu descobri que precisava me organizar e dar especial atenção a minha escrita, que estava sepultada na ponta dos meus dedos, enterrada nas paredes do meu corpo. Eu pensava frases no decorrer dos meus dias, observava pessoas e imaginava suas realidades particulares. Escrevia impressões pessoais, na primeira pessoa do singular em um velho caderno de notas… uma espécie de diário. E só.
A escrita era uma espécie de hobby para as horas vagas, quando não havia mais nada de interessante para fazer. Eu estava na direção errada e precisava mudar isso.
Levei alguns dias para compreender o meu ritmo de escrita — que mudou bastante desde a minha primeira semana de trabalho. Eu comecei escolhendo as manhãs — como Virginia Woolf que escrevia durante duas horas inteiras — por considerar o período do dia em que a minha mente estava fresca, liberta da realidade e das coisas que me atormentavam no decorrer das horas. No meu caso, não funcionou muito bem… e no começo, foi difícil me concentrar. Todas as coisas me distraiam. Qualquer som a minha volta me levava em outra direção.
Estabelecendo um cronograma de escrita
Eu criei um blogue — ferramenta nova à época. Identifiquei o que eu gostaria de escrever e comecei. Sou uma pessoa que gosta de espiar a realidade — observadora de pássaros, que sou. Como disse a maravilhosa Sylvia Plath, em seu diário:
Amo as pessoas. Todas elas. Amo-as, creio, como um colecionador de selos ama sua coleção. Cada história, cada incidente, cada fragmento de conversa é matéria-prima para mim. (…)
Compreendido isso… passei a me dedicar exaustivamente a esse tipo de narrativa. O meu primeiro personagem se aproximou de mim em um Parque público… foi paixão à primeira vista. Não sei o que me atraiu e talvez nunca sabia.
Observei atentamente os movimentos, reações e escrevi a respeito dele. Não foi um romance, obviamente. Apenas um pequeno ensaio pautado pelas minhas emoções.
Serviu para eu compreender que para escrever, eu preciso estar apaixonada. É o que move as minhas palavras-linhas. Tem gente que considera a raiva-ódio determinante e afirma que escrever em estado de fúria é determinante. Cada um sabe de si… e saber-se é elemento essencial.
Uma lista a ser cumprida à risca…
Listei tudo… livros que eu precisava ler, lugares para visitar, e a quantidade de linhas a serem escritas por dia. Se você chegou até aqui, deve ter percebido que estabelecer o hábito da escrita é muito importante.
Jack Kerouac — autor de on the road — registrou em seu diário pessoal o ritmo dos seus escritos. Era sua maneira de ser leal à sua narrativa. Tomava nota de tudo, dos avanços aos retrocessos. Às vezes, lamentava ter falhado num determinado dia e prometia compensar no seguinte.
Os primeiros textos
Não foram os melhores! E alguns foram reescritos, outros descartados. De qualquer maneira, foram os responsáveis por determinar os meus escritos futuros. Sem eles, não haveria o famoso dia seguinte para a minha escrita e eu não estaria aqui, a escrever esse texto.
E se tem uma coisa que eu descobri nesses anos… é que não existe texto ruim. Ponto final. Todo texto precisa de cuidados: leia milhares de vezes até encontrar a melhor frase inicial, o ritmo certo para as linhas, o tempo de cada palavra e a emoção por trás da narrativa. Não desista, tampouco acuse exaustão. Compreenda o seu texto e o lugar dele. Não desista do texto, deixo-o de lado. Abandone-o e vá fazer outras coisas.
Mas, tome muito cuidado com as desculpas que usa para não escrever, para amassar uma folha ou desistir de um texto. Somos sabotadores por natureza…
Escrever é um gesto egoísta… no primeiro momento, você será o seu único leitor e, consequentemente, a criatura mais difícil de agradar. Seja exigente… busque o melhor. Não aceite menos. Tenha consciência de que você pode melhorar a cada nova frase… e invista tudo de você, nisso.
O talento é necessário, mas considere-o que não passa de uma pedra bruta que precisa ser lapidada.
Leitura crítica
O seu segundo leitor precisa ser escolhido com cuidado — e precisa ser alguém de sua absoluta confiança. Alguém que irá apontar os erros-acertos. Não pode ter receio de dizer-te que não gostou… apontar onde errou, o que faltou e onde pode melhorar.
Nesse primeiro momento, não vale a pena contratar uma leitura especializada. Procure por isso quando sentir que tem um conteúdo com arestas bem aparadas. Mas um consultor pode te ajudar a percorrer caminhos.
E aprenda a reagir a crítica… seja positiva ou negativa. Não considere um ataque direcionado a você porque não é. Entenda que estar pronto não é uma possibilidade para quem escreve.
A condição de um bom texto é sempre a mesma: inacabado. Mário de Andrade, autor de Macunaíma, morreu desejando corrigir seu maior sucesso. Há provas materiais de que reescreveu um capítulo inteiro de seu romance.
Mas se você faz parte do grupo que acha que para ser um Escritor basta escrever, você está a meio caminho da realidade… o problema é que, na escrita, lidamos com a ficção.
Para finalizar
Não pense que a escrita é coisa para solitários. Escolha um grupo… existem muitos por aí. Com certeza em um deles você irá se encaixar e poderá compartilhar experiências, fazer trocas e aprender muito. Escrever junto é ótimo para quem está iniciando e para quem está há tempos nessa seara.